sábado, 13 de outubro de 2007

Trabalhando nas minas de Potosi


Bolívia – Potosi, 23 de setembro de 2007.

Depois de muita insistência, consegui que me deixassem trabalhar por um dia nas minas de Potosi. Jamais havia visto trabalho sob condições tão precárias e perigosas.

Tudo começa no alto da montanha de Serro Rico, num um frio de zero graus, com o agravante da água que encharca o solo e deixa tudo pior quando entra pelas botinas. Conforme vamos adentrando a montanha, o oxigênio fica mais escasso, os espaços ficam cada vez mais sinuosos e claustrofóbicos e a temperatura começa a subir – chegando a insuportáveis 45 graus. Sob condições tão extremas, o trabalhador daqui tem uma jornada que varia de oito a até 24 horas (sem comer, apenas com folhas de coca nas bochechas), das quais agüentei apenas 3.

Antes de começar a jornada de trabalho, os mineiros oferecem folhas de coca para “El tio”, a estátua de um diabo, para que não ocorram acidentes e as minas continuem férteis. Quando perguntei sobre a inusitada religião, os trabalhadores disseram que são cristãos, mas que a mina é lugar da Pachamama (a Mãe Terra), e do diabo, que consome vidas neste inferno abaixo da terra. Por aqui não existe vida, não existe deus, apenas trabalho e muita resistência física e mental.

Por aqui eles sobes e descem por espaços minúsculos carregando até 40 quilos nas costas, com pouquíssimo oxigênio misturado ao pó de silício, que consome lentamente os pulmões. Enquanto eu tinha a nítida sensação de que meus pulmões necessitavam de mais do que a mina oferecia, via em contrapartida os mineiros plenamente adaptados com a dura rotina.

Nas regiões em que os turistas não têm acesso, espantadamente vi crianças de 12, 10 e até 8 anos trabalhando sem diferenciação de um adulto, sem saber o que é escola ou infância. Assim segue a vida por aqui, normalmente até a morte ou a aposentadoria, dentre as quais apenas a primeira opção é conhecida por eles. Para se aposentar pelo estado, o mineiro precisa possuir três fatores conjuntos: 65 anos, 50% dos pulmões comprometidos e 300 contribuições ao sindicato. Por exemplo, se você tem 65 anos, 50% do pulmão ferrado, mas não fez todas as contribuições, infelizmente precisará trabalhar um pouco mais.

Quando perguntei a José Luiz, um dos mineiros mais antigos de Serro Rico, porque se submeter a tudo isso, ele me fitou seriamente e disse:

- Amigo, não há outra maneira de sobreviver por aqui. Tenho 67 anos, por isso sou uma exceção entre poucos de nós que passam dos 50. Temos que fazer isso por nossas mulheres e filhos.

- E até quando acha que vai fazer isso? – Perguntei.

- Até que El tio me chame, amigo.

Ao ver que fiquei muito abalado com suas respostas, José sorriu e mudou o tom da conversa:

- Você trabalhava com o que, menino? Computador? É quase a mesma coisa! Tudo é questão de acostumar!

Não consegui sorrir com a brincadeira definitivamente séria demais para mim. Sendo assim, perguntei apenas de ele acreditava no que acabava de me dizer. No mesmo instante, José parou de sorrir e manteve uma dignidade comovente no olhar, dizendo:

- No começo eu não acreditava em nada disso, mas com o tempo educamos a mente para isso. Se pensar no quanto tudo é difícil eu nem posso entrar na mina, pois El Tio me devora mais rápido.

De tanto que estudei para me qualificar no trabalho, pensava que eles não conseguiriam fazer o que faço, porém constato que a recíproca é verdadeira. Amigos, conheci hoje as pessoas mais valentes e resistentes de toda a minha vida, sentindo na pele como a necessidade de sobrevivência nos leva a uma adaptação sob condições tão extremas de vida. Confesso que por hora não sei mais como vou voltar a trabalhar em meu computadorzinho, pois agora sei de fato que há muita gente que vive assim.

Aos sair da mina, curiosamente alguns trabalhadores vão para a igreja para agradecer a Deus por mais um dia. Pelo visto, aqui na mina é necessário andar de mãos dadas com Deus e o Diabo.