sábado, 13 de outubro de 2007

Reflexões quase revolucionárias

Como havia dito nos primeiros trechos da Bolívia, não tinha me sentido muito à vontade com o povo daqui, mas minha opinião se modifica gradativamente. Se eu continuar neste ritmo, vou me apaixonar pro todos e me sentir um autêntico boliviano.

Aqui na Bolívia há muitos índios camponeses, que muitos ainda chamam de mitayos. Para suportar a dura rotina de trabalho que lhes é imposta eles mascam muita folha de coca, o que deixa suas bocas e dentes verdes e com uma gosma escura a escorrer pelos lábios, o que lhes confere um aspecto terrível. Nas típicas reflexões de pedalada, percebi que não fazia sentido o meu afastamento, pois estas pessoas eram o motivo da minha viagem. Sendo assim, resolvi passar o dia numa aldeia de mineradores de Potosi, disposto a ouvir cada palavra do que eles tinham a me dizer.

Ao conversar mais com estas pessoas - com um pouco de dificuldade, pois eles falavam mais quéchua do que castelhano- percebo mais uma vez que as fronteiras entre nós e o outro, assim como as fronteiras geográficas, são invencionices do homem. Descobri um povo extremamente pacífico e trabalhador, por isso me senti bastante envergonhado devido ao juízo inicial que fazia deles. De fato a exploração é algo rotineiro e ao mesmo tempo aceito entre eles, por isso agora sinto um certo nojo de quem os explora, não mais deles.

Mediante a uma rotina tão dura, confesso que esperava ouvir brados de ira ou algo do tipo, por isso fiquei surpreso ao verificar um misto de conformidade e garra para superar as adversidades diárias, me levando a pensar se o excesso de passividade lhes é prejudicial algumas vezes. Não sei, talvez fosse melhor usar esta garra tão grande para sair da exploração, não para sobreviver a ela.

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Graças ao bendito filme Diários de motocicleta, em muitos povoados me chamam de “compay Guevara”. Como detesto qualquer tipo de comparação, no início ficava bastante chateado, mas agora até atendo quando me chamam assim. Em comum talvez tenhamos a determinação que separa sonhadores de utopistas, ou também a vontade de conhecer o que só era visto nos livros, mas creio que as semelhanças parem por aí. Sinto decepcionar a muitos, mas não sou um revolucionário.

Sinto como se uma semente muita fértil estivesse germinando em mim, mas não faço idéia de quais serão seus frutos. Por hora, vou me deliciando com a gostosa sensação de ser mudado pelo mundo, depois posso pensar em mudá-lo, talvez.