domingo, 16 de setembro de 2007

Bolívia - Perrengue mais grave

Bolívia, Santa Cruz da Serra – 14 de setembro de 2007.

Hoje cometi meu primeiro grande erro, que pretendo não repetir mais, para minha própria segurança.

Quando ainda estava capital Santa Cruz (há 300 km atrás), pedi informações a um taxista sobre o caminho mais curto até Sucre, fazendo o mesmo com outra pessoa para confirmar a informação. Até me deram o caminho mais curto, mas não me informaram que era com 300 km de asfalto e mais 300 de semi-deserto, com estrada de cascalho ou areia fora, sem água e com subidas impedaláveis. Ainda por cima, no início da estrada ruim me disseram que o asfalto viria depois de uns 20 km no máximo, por isso fiquei no meio desse semi-deserto, tendo que pedalar mais 35 km de subida pra chegar até o próximo ponto com água e alguma civilização.

Quando me dei conta, estava eu no meio desse lugar desconhecido e nada amistoso, com apenas 400ml de água, tendo que pedalar por subidas ladeadas de abismo, cm caminhões escorregando e etc. Para chegar até o próximo povoado tive que pedalar durante a noite, mal sabendo que tipo de bicho tinha por ali.

Esse é um típico caso em que coragem demais seria sinal de loucura de verdade, por isso decidi pegar carona assim que chegasse nesse povoado. Felizmente deu tudo certo e agora está tudo bem! Preciso aprender com esse erro para não fazer isso de novo, caso contrário os resultados podem ser nada agradáveis...

Bolívia - Culinária local

Cara, como a comida daqui é diferente da que comia no Brasil!! Acompanhem a rotina:

1 – Café da manhã: Um pãozinho duro parecido com pão de hambúrguer, que se come sem manteiga nem nada. Para acompanhar, Tody COM ÁGUA. O detalhe é que servem tudo pelando de quente, independente do calor que esteja. Até para se pedir refrigerante é preciso diferenciar se eu o quero quente ou frio.

2 – Almoço e janta: Antes de tudo, foi uma confusão danada pra descobrir como funciona o sistema de refeições na Bolívia. Primeiro te servem uma sopa, depois um negócio que eles chamam de “segundo”, que é basicamente uma comida seca, com alguma carne, arroz e batata frita ou cozida. Pombas, agora imaginem o que era descobrir qual era a comida quando o camarada chegava e dizia “mira, hay sopa y segundo para cenar”!

Ah, e como se come frango por aqui!! Frango picante, frito, cozido, broaster (frito na pressão) e de diversas outras maneiras.

3 – Bebidas: Digamos que os refrigerantes têm sabores no mínimo diferentes para mim, acostumado com guaraná, coca e etc. Têm refrigerantes de mamão, côco, tamarindo, melancia, pêssego e por aí vai. De vez em quando eu encontrava uma bebida mais careta, tipo de limão ou laranja, mas no geral comia tudo com água mesmo.

Minha bebida salvação foi um treco chamado “Pilfruit”, que é um suco com iogurte, vendido em saquinhos de 170ml pela bagatela de R$ 0,10 (0,50 bolivianos, na moeda local). Esse suquinho é vendido extremamente gelado, sendo ótimo para estabilizar a temperatura do corpo quando o sol bate na cuca da gente o dia inteiro.
Ai, que saudade da comida e da bebida do meu Brasil!! Tenho até sonhado com feijão, guaraná, suco de açaí e etc...rs

Bolívia - Primeiros obstáculos

Bolívia, Santa Cruz da Serra, 13 de setembro de 2007.

Escrevo agora de um povoado isolado chamado Hierba Buena, já sentindo que o buraco é muito, mas muito mais embaixo MESMO quando se trata de pedalar na Bolívia. Quando se pede informação, dizem aqui que a estrada é plana quando a subida tem menos de mil metros, pois aqui é mais do que natural pedalar por algumas serras assim diariamente (mil metros equivalem a serra de Petrópolis).

Somente hoje subi três “serrinhas” desse tipo, sem contar os ventos muito fortes que fazem a Capitu parar mesmo enquanto estamos na descida (imaginem pra subir como é). Pedalar na Bolívia definitivamente não é para qualquer um! Não vou dizer que o meu corpo não está sentindo a dificuldade tremendamente aumentada, mas sinto que meu corpo está se adaptando muito bem.

Outra grande dificuldade é que não se consegue comida por aqui, por isso tenho sempre que pagar por todas as refeições. Pelo menos tudo aqui sai muito barato, devido à moeda daqui ser muito fraca com relação ao Real – Pra se ter uma idéia, dá pra almoçar e tomar um refrigerante vagabundo com o equivalente e R$ 2,00. Creio que minha escassa grana vai durar no máximo até Cusco, por isso vou ter que pensar em alguns trabalhinhos pra fazer por aqui, tipo limpar banheiro, chão e demais bobagenzinhas que só faz quem precisa muito! Rs


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De início, o idioma foi uma grande barreira, pois eu não estava acostumado com a rapidez verbal e o sotaque boliviano. Já me adaptei e agora vivo tudo em espanhol: Troquei o idioma do celular, vejo e ouço tudo neste idioma também. Para minha agradável surpresa, já estou pensando e até sonhando em espanhol!

Bolívia - Primeiras impressões

Bolívia, Porto Suares, 11 de setembro de 2007.

Como todos disseram que a estrada até Santa Cruz da Serra é impedalável, com alguns ciclistas me desaconselhando a pedalar no trajeto, resolvi pegar o famoso “trem da morte”. Aliás, o trem que tinha na hora não tinha nada de “da morte”! Tinha ar condicionado, muitos seguranças, serviço de bordo e até filminho do Chuck Norris passando na TV! .Vocês não imaginam como é divertido ver Bradock dublado em castelhano!!!rs

Fora isso, começo a ficar preocupado com o que me aguarda quanto ao povo boliviano. Espero estar enganado, mas tive hoje amostras de muito pouca hospitalidade aqui por essas bandas.

Para quem se acostumou com a hospitalidade brasileira, foi um choque inicial ver como os bolivianos tratam viajantes como eu. Primeiramente, todo mundo tenta me enrolar por qualquer motivo pra tentar arrumar alguma grana, mal sabendo que viajo sin una plata!rs. Pra se ter uma idéia, houve um momento em que eu precisava subir com a Capitu cheia de peso por algumas escadas, quando um boliviano “muito gentil” me disse:
- Amigo, deixa que eu ajudo a carregar!
- Se puder, agradeço muitíssimo, mas você vai me cobrar por isso? - Perguntei
- São cinco bolivianos!

Após ouvir que eu não tinha dinheiro, a simpatia do rapaz agora era uma cara fechada, que se virava sem dizer nada.

Percebo também que talvez não haja tanta prestatividade por aqui, como algo cultural mesmo pelo visto. Quando eu estava na fila do trem, com toda a bagagem da Capitu nas costas e com as duas mãos ocupadas, pedi ajuda a ma pessoa da fila quando uma sacola minha caiu no chão. O rapaz fechou a cara e olhou para o outro lado (pelo menos não resolveu me cobrar), quando fiquei pasmo e repeti o pedido, quando ele de cara fechadíssima pegou a bolsa do chão. Realmente para mim isso foi um choque cultural muito grande, pois isso no Brasil é algo mais do que natural e nem se precisaria pedir normalmente. De toda forma, me serve de aprendizado ver que o que para mim é natural nem sempre se aplica ao outro também, vice e versa.

domingo, 9 de setembro de 2007

Rumo a Bolívia!!

Mato Grosso do Sul, Corumbá – 08 de agosto de 2007.

Depois de 120 km de estradas de terra fofa, eis que escrevo à beira da fronteira com a Bolívia. Sinto que estou preparado para seguir em frente, tanto física quanto psicologicamente.

Me despeço do Brasil tomando banho de rio e conversando com todos por aqui, fazendo também um check-up geral na Capitu.

Galera....BOLÍVIA, AÍ VOU EU!!!!!!!!!!!

Tribo indígena no Pantanal

Mato Grosso do Sul, Aldeia Indígena Cachoeirinha – 05 de setembro de 2007.

Antes de ir para a tribo dos índios, passei algumas horas com os moradores da cidade (Miranda), descobrindo que eles, apesar da proximidade, não conheciam absolutamente nada deles, tendo apenas diversos preconceitos como base - descobri que o racismo com os índios é muito forte por essas bandas. Mesmo assim, fui ver de perto com índio como eles eram, e confesso que fiquei maravilhado e encontrei aqui o melhor ponto da viagem: A tribo Terena de Cachoeirinha!

Os povos Terena são originários do chamado “Chaco Paraguaio”. Eles falam sorrindo, mantém boa parte da própria cultura e recebe muito bem quem os respeita. Antes de mais nada, pedi autorização do cacique para permanecer ali, e ele me ofereceu sua casa para eu dormir e me apresentou a toda a aldeia como “um branco que queria saber da gente deles”.

Os índios de lá já são bastante civilizados. Eles têm posto de saúde, escolas com merenda fornecida pelo governo, orelhões, casas de tijolos e até um computador. Inclusive o cacique é eleito através de voto direto, com um mandato de 4 anos com direito a uma reeleição, como um prefeito mesmo. Mesmo falando e escrevendo normalmente o português, os índios se comunicavam entre si na linguagem ancestral deles, o Aruak.

Infelizmente ainda lhes cabe nas relações de trabalho com o branco a parte mais difícil e explorada. Os índios que não sobrevivem de artesanato, caça ou pesca ficam 70 dias nas lavouras de cana, sem sombra, bebendo água quente e trabalhando mais de 12 horas por dia. Eles dizem que o governo melhorou as condições de trabalho em alguns canaviais, mas somente os que são legalizados (minoria na região).

Passei o dia inteiro conversando com os moradores da aldeia, passando nas escolas, lavouras, casas e cada esquina, ouvindo cada uma das pessoas de diferentes idéias e idades. Confesso que vi muito mais dignidade neles do que em nós, homens brancos. Ganhei sementes de Pau Brasil (será que se eu plantar no Rj nasce?) e um livro didático sobre a história dos povos Terena.

De tanto presenciar as histórias dessa gente, acabei pensando em idéias simples e sem custo algum que ajudariam tremendamente a eles nas áreas de agricultura, educação e cultura. Tirei o dia seguinte para marcar a qualquer custo uma audiência com a prefeita da cidade para expor as minhas soluções, que apresento logo abaixo. A assessora da prefeitura disse que eu teria de marcar audiência com 1 mês de antecedência, mas disse que era um viajante e teria apenas aquele dia para falar com ela, por isso ficaria ali até conseguir 5 minutos de bate papo. Parece que deu certo.

1 – As escolas da aldeia vão até o ensino médio, mas há um grande abismo que ainda separa os índios da universidade. Mesmo com o acesso diferenciado, a bolsa de estudos da Funai demora 3 meses para cair, e os índios não podem se sustentar nas faculdades de tempo integral durante esse tempo, com despesas de moradia e alimentação. Até há um fundo para estas despesas, mas eles correspondem a somente 10% da necessidade dos índios.

- Pombas, já que o índio vai receber a grana retroativa, porque não conceder um empréstimo para quem comprovar que passou no vestibular e recebeu a bolsa da Funai? Seria um empréstimo de apenas 3 meses e com baixíssima taxa de inadimplência, afinal eles têm uma grana certa pra receber, além do que já é provado que a inadimplência diminui conforme o poder aquisitivo diminui também.

A prefeita me disse que pode ser feita uma parceria com a Fundação Bradesco, e o fato da ausência de custos facilitaria a aprovação do projeto. Liguei para o Diretor da escola da aldeia para passar as instruções e cobrar os resultados. Agora é com ele.

2- Os índios receberam tratores e sementes para o plantio, mas desconhecem as melhores técnicas para lidar com a terra, por isso as plantações raramente vingam.

- Me reuni com o secretário de agricultura, dizendo que eles perderiam dinheiro sucessivamente enquanto não mostrasse ao índio as melhores práticas de plantio. Basta mandar para as tribos um profissional da Embrapa para estudar a terra e passar o conhecimento aos índios. Caramba, isso não tem custo algum!!

O secretário assinou um documento se comprometendo a mandar um técnico da Embrapa ao local. Agora o cacique que cuide para fazer com que a promessa se cumpra.

3 – Distância cultural entre brancos e índios.

- Imaginem comigo: Se eu, que fiquei 2 horas conversando com as pessoas da cidade, já ouvi diversos preconceitos que não procediam com a realidade que vi com meus olhos, imaginem como cresce uma criança por lá? Quando indaguei para a prefeita sobre a ausência de trabalhos de integração de culturas, ela me disse que sempre fazia feiras de artesanato e que uma vez até havia mandado as crianças para fazer cerâmica com os índios.

Contive a raiva e disse apenas que assim o problema de integração só aumentaria, pois assim todo mundo vai associas o índio somente a arte e etc, quando eles tem muito mais a oferecer! Se fosse mandado um ônibus da escola para a tribo, as crianças poderiam passar o dia com as crianças da tribo e ouvir o povo de lá. Após isso, não me interessa se as crianças vão ter uma impressão boa ou ruim dos índios. Apenas quero que eles formem opinião com o que eles vêem, como eu fiz.

Fiquei feliz pela possibilidade de ajudar de alguma forma esse povo que me acolheu tão bem! Vou ligar para o cacique ao final da minha viagem para ver se minhas idéias deram algum fruto.

Mato Grosso do Sul- aprendizados

Sempre que me perguntam de onde venho ou para onde vou, ouço sempre as mesmas coisas: “Tu é doido!”, “Vai ter coragem assim lá longe!”. Começo a ver o quanto a loucura e a coragem andam juntas.

Para fazer o que parece loucura é necessária uma boa dose de coragem, assim como uma dose de loucura cai muito bem para quem necessita de coragem. Não me vejo nem tão louco e nem tão corajoso como dizem por aí, apenas tenho um sonho e sigo atrás dele, sendo feliz enquanto o realizo.


Mato Grosso do Sul, Dois irmãos do Buriti – 01 de setembro de 2007.

Quando digo que sou ateu, tenho a impressão que daria no mesmo se eu dissesse que sou ex presidiário, por isso aprendo a esconder isso. Isso quando não me cismam de tentar me converter, um saco!!

O mais engraçado disso é que sempre me chamam pelo caminho de menino abençoado. Há uma fábula muito conhecida por aqui que diz que Jesus visita as pessoas através de gente comum, por isso muita gente acha que sou manifestação divina. Pra dizer a verdade sou sim, e todos somos. Vejo divindades em cada pessoa que encontro pelo caminho, por isso posso me considerar um grande peregrino à procura de suas divindades.

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Hoje ganhei dois pães para levar durante a viagem, sabendo que aquela seria provavelmente a minha única alimentação do dia. Ao parar para encher as garrafas de água, uma mãe com um filho no colo me pediu para comprar as toalhas que vendia, para dar de comer para a criança. Disse que não tinha dinheiro, mas me sentei para dividir o meu pão com eles. Claro que pensei que aqueles pães me fariam falta, mas vi que faria falta para eles também.

Quando parei para encher novamente as águas durante o almoço, um pastor resolveu me dar mais pães frescos e ainda me pagou um suco. Contei da situação que havia ocorrido pela manhã, me arrependendo logo em seguida por pensar que ouviria mais um sermão bíblico. Ele simplesmente me disse que na vida é assim mesmo, que o bem gera o bem. Sei lá, recebendo o pão de volta ou não, me fez bem ver outra pessoa bem.

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Ao final do dia, parei em uma pequena fazenda para descansar e beber água. O dono de lá perguntou se eu não queria passar o dia por lá, dizendo que recentemente havia passado por lá um americano que também cruzava a América do sul de bicicleta e tinha adorado as conversas com ele.

No final das contas passei 2 dias lá, tendo tomado banho de rio transparente, cavalgado, aprendido a laçar boi e vivido com muita tranqüilidade. É gostosa a sensação de acordar pela manhã e tirar você mesmo o leite que vai beber, fervendo-o com a lenha que você mesmo cortou. Conheci um pantaneiro de apenas 16 anos, que me ensinou a fazer arapucas, me mostrou as frutas que posso comer na estrada e muitas outras coisas. Saudades desse pessoal...

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Assim que saí do Rio de Janeiro, fiquei preocupado por pensar que estava saindo de casa. De tão bem acolhido que tenho sido, pensei o mesmo ao sair de SP e acredito que vai acontecer o mesmo ao sair do MS ou até do Brasil. Penso agora que a minha casa é o Brasil, a América do Sul ou onde eu estiver pelo mundo.

Não sei se é simples de explicar, mas vejo que todas as pessoas são muito diferentes, mas que há uma grande igualdade que une a todos, que é o fato de que vivemos na mesma casa redonda.

Vejo que as fronteiras são invencionices do homem. Confiro na prática o que o Raul Seixas queria dizer quando se referia a fronteiras como “cercas embandeiradas que separam quintais”.

Mato Grosso do Sul, Aquidauana (entrada do pantanal), 03 de setembro de 2007.

Pela primeira vez encontrei algum perigo durante a viagem. Não sei explicar como, mas na hora do aperto bate um sangue frio e uma percepção mais aguçada das coisas.

Um sujeito na igreja onde pedi abrigo me ofereceu sua casa para passar a noite. Apesar de vê-lo bem vestido e aprumado, resolvi conversar mais com ele antes de aceitar o convite. Ele dizia ter sido o homem mais rico daquela cidade e etc...e aprendi desde os tempos de Rio de Janeiro a ter um pé atrás com quem conta muita vantagem. Para ver a fama do sujeito na cidade, pedi licença pra comprar doces e conferi com a dona da lojinha sobre a fama do rapaz na cidade (em lugares pequenos todos se conhecem). Descobri que o cara era ex-presidiário e estava solto sob condicional, tendo mais de 50 processos de agressão nas costas.

Vi que ele não estava armado e que eu teria chance em uma eventual briga, pois ele era tão magricelo quanto eu. Disse que seguiria viagem até a próxima cidade e mesmo assim ele insistiu em me acompanhar até o centro. Foi quando eu achei uma república de universitários, entrei cumprimentando todo mundo como se fossem meus amigos de infância (eles não me conheciam mas não falaram nada), e disse ao moço que havia encontrado alguns amigos que poderiam me dar abrigo por lá mesmo. UFA!!

Os caras da república me receberam muito bem, enchendo a minha noite de histórias da juventude do campo e de ótimas gargalhadas. Aprendo muito com eles sobre agronomia, criação de gado e diversas outras coisas.

Ai que saudade dos meus tempos de faculdade...rs

Dormindo com sem terras - Mato Grosso

Mato Grosso do Sul, Nova Alvorada do Sul – 29 de agosto de 2007.

Conforme eu havia planejado, dormi no acampamento dos sem-terras no dia seguinte. Todos viviam sem luz e em barracas feitas de lona, isso sem contar o chão de barro, os mosquitos e as condições nulas de saneamento básico. Vi gente com seus 30anos, que procuram terras desde que nasceram, e que ainda não perdem as esperanças.

Eu pensava que todo acampamento era do MST, mas esse era da CUT. Me apressei para conversar com o líder do acampamento, um senhor dócil e forme chamado Seu Guilherme. Descobri inicialmente que somente no Mato Grosso do Sul existem vários grupos acampando, entre eles o MST, a CUT, o FAF e o FEPAG.
Segundo ele, somente o MST e o FEPAG invadem terras e vão para o conflito direto, enquanto os outros grupos acampavam na porta da propriedade com a autorização do proprietário da fazenda, utilizando o INCRA para negociar a compra da terra e depois dividi-la. Um detalhe que descobri posteriormente é que o governo não dá a terra e nem muito menos para por elas em dinheiro. Eles pagam ao fazendeiro em títulos agrícolas, que podem ser trocados nas empresas que devem impostos ao governo. Após isso, o trabalhador que recebe a terra é obrigado a destinar parte de sua plantação para pagar pela terra.

O Seu Guilherme já está no movimento há 7 anos, já tendo assentado cerca de 100 famílias e sem jamais ter tido a sua, pois há gente que precisa mais do que ele. Ao me despedir, lhe fiz duas perguntas, ficando comovido e surpreso com as respostas.

- Seu Guilherme, o senhor acredita que haverá reforma agrária efetiva no Brasil?
- Olha, se eu não acreditar, não posso nem mesmo estar por aqui, mas confesso que por várias vezes já pensei em desistir...
- E o que é necessário para que as terras comecem a ser divididas?
- Olha, meu filho, de política mesmo. Sem gente no congresso pra lutar pela gente não dá pra conseguir nada. Aí a gente vai precisar ir para o conflito, e a polícia sempre defende o lado de quem tem mais dinheiro, aí vai começar a morrer sem terra em todo lado e a coisa não vai mudar nunca.

São conversas como essa que fazem minha visão de mundo ir mudando drasticamente. Nem todos os sem-terra são violentos como a TV mostra, e eles são mais inteligentes e organizados do que imaginei. Desejo-lhes sorte, paz e terra.

Queria visitar também um latifundiário, para ouvir o outro lado da história. Infelizmente eles raramente estão nas propriedades que ocupam.

Mato Grosso do sul - Começo

Engraçado, antes eu estava encarando o Brasil apenas como um meio caminho até chegar aos outros países da América do Sul, e hoje aproveito cada palmo aqui por essas bandas, chegando a recusar caronas, dizendo que vou perder muito Brasil se fizer isso. Cruzo agora a entre SP e MS, me perguntando dos novos desafios e das novas pessoas que conhecerei, esperando ser tão bem acolhido como fui até agora.

Como é grande esse Brasil! Todo mundo imagina isso, mas ver com os próprios olhos é outra história.


Mato Grosso do Sul, Bataguaçu – 28 de agosto de 2007.

Nestes primeiros 100 km de MS, posso dizer que é como se eu entrasse em um país completamente diferente, e olha que ainda falta o Pantanal.

Quanta variedade de aves! Verdes, vermelhas, azuis, roxas, coloridas araras, pica-paus, papagaios, gaviões e outras que nem sei nomear ainda. Engraçado, mas antes eu olhava procurava uma gaiola quando ouvia barulho de pássaros, mas hoje olho para o céu. Definitivamente estes bichos ficam muito mais bonitos quando estão livres.

As estradas ficam piores e mais desertas ainda, e olha que já me avisaram que isso vai piorar mais e mais. Chegava a pedalar por 80 km sem ver qualquer ser bípede ou algum lugar para beber água.

Quanto aos latifúndios, digamos que podem ser um capitulo a parte. Existem terras com 60 km quadrados! Caramba, isso deve ter o tamanho de muitas cidades! Sem contar que aqui quem manda são os latifundiários, só o governador do MS possui 240 mil hectares (cada hectare mede 100 metros quadrados) de terras. Normalmente estas terras são usadas simplesmente para pastagem de gado. O detalhe é que cada vaca precisa de 1 hectare, o que equivale a uma casa pequena no Rio de janeiro. Começo a ver mais atentamente o que o nosso hábito de comer carne exige...

Vejo agora mais nitidamente a vital necessidade da tal da reforma agrária que eu mal ouvi falar na escola. Vi alguns acampamentos de sem-terras, e sinto um clima freqüente de estopim no ar... Parece que a qualquer instante haverá conflitos por aqui. Antes de sair dessas terras, vou tentar dormir num acampamento de sem-terras, para saber dessa história de reforma agrária pelo lado de quem precisa da terra, cuja voz eu jamais ouvi na TV.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

São Paulo

Aparecida (SP) 17 de agosto de 2007

Dia de estrada tranqüila, porém com muitos imprevistos, incluindo pneu furando, cordas prendendo na corrente e pro aí vai...

Cheguei à Catedral de Nossa Senhora da Aparecida e fiquei estupefato com dimensões tão grandes! Vê-se logo as religiões tipicamente masculinas devido ao complexo que os homens têm com tamanho, Freud explica, rs. Tudo é anormalmente grande e imponente por lá, como que para fazer a gente se sentir pequeno perante Deus.

Me impressionei com o poder que a religião tem sobre as pessoas. Vi gente chorando no altar, outros rezando emocionadamente, outros simplesmente agradecendo. Vi grupos de fiéis que vindo a pé de São Paulo, Minas Gerais, Paraná e etc, em romaria. Mesmo não apreciando religiões, passei a respeitas profundamente essas pessoas.

Vendo tudo isso, fui ao mirante da igreja e refleti mais um pouco acerca de Deus. Sim, continuo ateu, porém aprendo a ver Deuses e Demônios e cada pessoal. Ao pensar assim, minha viagem pode ser considerada uma grande romaria, rumo a uma religião que criei pra mim mesmo.

A igreja mantém um albergue, onde dormi quentinho, tomei banho, jantei e tomei café pela manhã. Ta, é assistencialismo puro, mas não dá pra negar coisas assim na minha situação, né! Rs

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Ao passar por Taubaté, encontrei com um casal que me pediu remendo para pneu. Parei para consertar o pneu deles e paramos para conversar.

O rapaz, que se apresentou como “Baiano”, saiu do Rio Grande do Sul e ia para Cachoeira Paulista, com a namorada na garupa e apenas uma mohjila para os dois, pois estava desempregado há 1 ano e recebeu uma proposta de emprego em São Paulo. Sem um único centavo no bolso, pegou a namorada, uma bicicleta de ferro e sem marcha, e seguiu sua viagem há 20 dias atrás.

Perguntei como eles faziam para comer, e foi aí que o Baiano me ensinou a “manguear”, o que quer dizer passar nos restaurantes da estrada, falar da aventura e depois pedir um almoço. Disseram eles que enjoaram de tanto comer! Vou lembrar disso pelo caminho nas horas de fome.

Desde que saíram, eles trocaram a bicicleta por uma pior, porém com aros mais fortes para agüentar a namorada na garupa, venderam a barraca para comprar remédios e por aí vai. Um cara desses teria ido longe se estivesse em uma grande empresa e tivesse tido ou feito outras oportunidades na vida.
Eu tenho que mostrar a história desse dois para a minha mãe, pra ela ver o que ser doido de verdade! Rs
OBS: Saudades, muitas saudades do meu povo no Rio de Janeiro...


SP – Presidente Prudente, 26 de agosto de 2007.

Pra vocês verem como mãe é mãe...

Estava eu na estrada, quando recebo a ligação da dona Heloiza. Entre outras coisas, ela me diz o seguinte: “Ricardo, você ta sentindo alguma coisa no pé? Hoje sonhei que seu pé tava cheio de carrapatos... isso não é coisa boa!”.

Na noite passada eu havia cortado o calcanhar cavalgando. Um machucadinho bobo, mas por via das duvidas tasquei band-aid e pomada! Minha mãe não costuma errar com essas coisas.

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Inexplicavelmente os fatos cotidianos se encaixam perfeitamente, fazendo com que tudo de certo na viagem. Quando a noite caiu, eu ainda estava na estrada e me faltavam 20 km para chegar ao meu destino.

De repente vejo na estrada um carro com um senhor que parava para descansar em seu parati velhinho, quando parei para conversar com ele para saber do local mais próximo para acampar. Depois de um bom bate papo, ele topou me dar uma carona, mas avisou que não arrumaria lugar para eu dormir.

Quando eu estaca tirando a Capitu do carro, ele começou a me sugerir alguns pensionatos baratos para eu dormir, quando uma jovem moça passou por nós e nos ouviu, e logo disse que sua mãe cuidava de um pensionato ali pertinho! Ao chegar à pensão, contei a historia para a moça (Dona Vera), e ela resolveu não me cobrar nada. “Deve ser pecado cobrar de um menino desses! És um menino abençoado, meu filho!”, dizia ela para mim efusivamente.

Abençoado, eu?!Parando para ver, sinceramente acho agora que sim. Sou abençoado por cada pessoa que encontro no caminho, por isso me sinto muito feliz e cada vez mais apaixonado por nossa gente.



São Paulo, Presidente Epitácio 27 de agosto de 2007.

O desafio está aumentando gradativamente. Enfrento diariamente ventos muito fortes, me fazendo pedalar em pé nas até nas poucas estradas planas. Se continuar assim, vou acabar me esquecendo para que me serviam os freios! Rs Quanto mais eu pedalo, mais o tempo castiga, as subidas aumentam e as estradas pioram. Bom treino para começar!

Hoje dormi na casa de um padre, um alegre senhor chamado Francisco, que é italiano e está em missão no Brasil há 16 anos. Ele me fez uma macarronada italiana de brócolis, me deu cama, conforto e divertidíssimas conversas. Quando ele perguntou da minha religião, não tive coragem de dizer que era ateu, e muito menos para mentir para meu anfitrião, por isso apenas disse que havia sido batizado na Igreja da Penha, desconversando falando sobre a magnífica vista que se tem de lá. Acho que colou, mas vão acabar me dizendo que é pecado enrolar um padre.

Enquanto comíamos, o padre me perguntou o que eu fazia antes de resolver pedalar a América, e lhe disse que trabalhava com RH mas que pedi demissão para realizar este grande sonho. Francisco me disse que muitos devem achar isso um desperdício de tempo e uma grande loucura, mas que eu não ligasse para isso e seguisse em frente. Para ilustras o que disse, ele utilizou uma metáfora (ele era ótimo com isso!) de um salmo ou algo do tipo. “Quando jogamos uma semente na terra, aparentemente ela está sendo jogada fora, quando poderíamos comê-la. Mas os que sabem quando e o que plantar, colhem os frutos com o tempo”. Precisava de uma metáfora dessas pra dizer pro pessoal antes de ir... mas agora já era. Rs

Definitivamente estou ficando emotivo demais com o tempo. Até metáforas bíblicas me comovem agora!! Fala sério.

Rio de Janeiro - O começo

Rio de janeiro, Serra das Araras, 15 de agosto de 2007

Me preparei para agüentar a viagem através de muito planejamento e treino físico, para agora ser pego por um feroz oponente: A saudade.
Sinto vontade de voltar pra casa e recomeçar a viagem amanhã, apenas para poder dar um abraço em todos mais uma vez. Enfim, sei que dá pra seguir em frente. Saudade não mata, eu acho.
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Ao procurar lugar para dormir pela noite, fiz 3 novos amigos: Paulo, Antônio e Crioulo (apelido, é claro!). Fiquei na casa de um deles, ganhando cama, coberta quentinha, lugar para um banho quente (estava muito frio), e até mesmo alguns suprimentos para levar durante a viagem. Além de tudo isso, tive um bate papo dos melhores durante a noite. Isso é que eu chamo de começar com o pé direito!!
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Rio de Janeiro, Volta Redonda, 15 de agosto de 2007

Parei para fazer comida em um posto para caminhoneiros, quando via sentado na outra mesa uma pessoa fantástica, o seu Josué. Ele está há 14 anos andando pela estrada, pegando uma carona de vez em quando, passando por boa parte do Brasil nesse tempo todo.
Seu Josué é um "velhinho" de 57 anos (o sol diário lhe conferiu um envelhecimento precoce), que saiu de Governador Valadares (MG) para andar por aí, fugindo de um grande problema que ele preferiu não me contar, dizendo que ainda era novo para compreender certas coisas.
Perguntei onde ele queria chegar. Seu Josué olhou para baixo por alguns segundos, depois olhou profundamente para mim com os olhos lacrimejando, e disse: "Estou indo para Buenos Aires. Ainda não sei como nem quando, mas até o final da minha vida eu chego lá!".

Ele me disse que eu encontraria depois de 48 Km um posto chamado "Pinheirinhos", e pediu que eu procurasse a máquina de música e procurasse a música 11 do CD do Elton John, que me faria entender a viagem dele e do que ele tanto foge. Ao chegar neste posto, fui informado que a máquina havia sido retirada há 8 dias...uma pena!

Vá na paz, seu Josué! Vou lembrar do senhor quando pisar em Buenos Aires.

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Ao chegar em Resende, obviamente passei na CASA&VIDEO para ver o pessoal de lá. Fui muito bem recebido pelo gerente, o que me faz crer cada vez mais na grande família que deixei por essas bandas. Marcos Antônio (o gerente) me deixou dormir na casa dele e voltou a trabalhar. Quando chegou, me levou para comer alguma coisa e conhecer a cidade. Graças a estas grandes gentilezas, posso agora postar no blog através da internet da casa dele.
Sei que não darei tanta sorte nos outros dias, então deixe-me aproveitar o conforto inesperado e agradecer imensamente pelo cuidado que recebi. Valeu, Marcos! Valeu pessoal da CASA&VIDEO! Vocês são muito importantes para mim.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Primeiros Passos

No primeiro momento, sinto mais saudade do que medo, e sei que isso tende a aumentar na proporção do tempo,assim como a minha determinação pra superar tudo isso. Depois de tanto treinar e planejar, por instantes pensei em desistir, apenas por saudade.

Mãe, pai, Renata, Rodrigo, o pessoal da Casa e Vídeo, família, amigos, conhecidos, vizinhos...tanta gente que comprou este sonho comigo e que agora vão acompanhar tudo por internet ou sabe-se lá como...Galera, relaxem!! Eu volto bem, sadio e feliz pra viver a vida com cada vez mais intensidade.

Chorei muito hoje, por saudade, felicidade e um medo gostoso, jamais por tristeza. Confesso que neste exato instante olho para as minhas pernas e digo "aguardem o que lhes espera".

O que me espera...imagino talvez 30%, sendo todo o restante ocupado pelo adorável desconhecido. Neve, vulcão, frio,fome, sol, com certeza. Pessoas, amizades, aventuras, paisagens, lágrimas, sorrisos, vitórias também. Seja como for, estou feliz pelas coisas que virão, pois agora sinto que viverei a vida com uma intensidade tão grande que me faz choras por nada, sem saber o motivo, apenas pela quantidade de emoções me habitam simultaneamente.

Então...VAMOS LÁ!! Rodar a América, curtindo cada centímetro e cada pessoa.