sábado, 3 de novembro de 2007

Apuros em La Paz...

Inicialmente eu havia dito que haviam apenas roubado meu celular, mas agora posso confessar que disse uma pequenina mentira, apenas para não deixar a todos preocupados. Além do celular, roubaram meu dinheiro, quase todo ele. Não sei como, mas sabia que conseguiria me virar, por isso deixei para dar a notícia apenas quando estivesse com tudo resolvido.


Todo o dinheiro que eu havia juntado trabalhando em Uyuni e Potosi foi por água abaixo. De repente me vi longe de casa, sem amigos, família ou conhecidos por perto, com apenas o equivalente a 50 reais no banco. Digamos que minha atitude inicial não foi exatamente a de um aventureiro destemido, pois eu apenas conseguia sentar no banco de uma praça e chorar feito um bebê, mas precisava recobrar o ânimo em breve... Não gostava da cidade, da gente, mas precisava dar um jeito de me adaptar e superar tudo, pois apenas disso dependia a minha sobrevivência.


No dia seguinte acordei bem cedo para buscar feito um louco algum trabalho. Saí pelas lojas da cidade e também mandei e-mails para todos os meus contatos profissionais da Bolívia, estando plenamente disposto a trabalhar com marketing, treinar mais pessoas, servir café, limpar privada, o que fosse. Amigos, confesso que pela primeira vez na viagem tive medo de não conseguir seguir em frente, pois agora dois dias haviam se passado e eu continuava na estaca zero, sendo que meu dinheiro duraria no máximo por mais 5 dias, com o agravante de aqui em La Paz as coisas são um poucos mais caras e também não se pode acampar. Por alguns dias fiquei no alojamento mais barato que encontrei, mas depois por sorte encontrei um hotel de ingleses que acabava de ser inaugurado, por isso faziam um preço promocional por uma semana de apenas 1 dólar por dia, com direito a café da manhã, salão de jogos e internet. Agora estavam temporariamente resolvidos os meus problemas de alojamento e café da manhã, mas eu ainda precisava descobrir como fazer para obter as outras refeições do dia.


Encontrei no mesmo dia uma brasileira, que como toda nossa gente é muito, mas muito especial mesmo. Ela se chama Neiva, e tem por aqui um restaurante de comida brasileira. Disse que não poderia me dar algum emprego, pois o governo cobrava uma multa alta se ela não empregasse bolivianos, mas que tentaria me ajudar no que pudesse. Disse que eu poderia comer no restaurante dela sempre que precisasse, sem pagar nada. Tá, me ajudar a não passar fome já é uma ação de grande compaixão, que sinceramente me emocionou, mas ela fazia tudo isso com extrema boa vontade e carinho: Além do almoço, me oferecia acompanhamentos, sucos a até mesmo a sobremesa! No final das contas comi no restaurante apenas uma vez, pois respeito o trabalho dela e por isso utilizaria esta opção apenas em última necessidade, mas puxa, que grande mulher eu encontrei no caminho. Brasileiros, brasileiros...Quando eu acho que já os amo o suficiente, eles sempre dão um jeito de me surpreender...


Quando cheguei ao ponto de ter no bolso somente o equivalente a 1 real, digamos que comecei a pensar em atitudes um pouco menos ortodoxas. Passei em frente a um bingo e pensei “opa, vai que a sorte me ajuda!”, pegando algo como 15 centavos pra apostar na máquina caça-níqueis, me sentindo o próprio mocinho em apuros de Holywood. Infelizmente o mundo real é mais duro do que os filmes americanos, por isso o aventureiro aqui se deu mal dessa vez. Agora eu tinha 15 centavos a menos no bolso, que com certeza me fariam falta. Enfim, eu precisava ao menos tentar.


Cheguei pela noite no hotel com cabeça fervilhando de tanto pensar, quando uma idéia não exatamente brilhante, mas a única que eu tive, me apareceu: Meu hotel tinha mesa de sinuca!! Caramba, eu tinha sinuca em casa, por isso poderia ter chance se apostasse com os outros turistas! Acordei no dia seguinte às 6 da manhã e fiquei treinando até o anoitecer, sem parar nem pra comer. Pela noite apostei meus últimos centavos, jogando sinuca como se disso dependesse minha vida. Desta vez as coisas deram mais certo pro meu lado, pois ao final do dia consegui transformar meus centavinhos em algo como 10 reais de novo. Perdi, mas sobretudo venci a quase todas as partidas, e fiz o mesmo no dia seguinte, mais uma vez treinando feito um louco. Amigos, a sobrevivência pode transformar a qualquer um num verdadeiro Rui Chapéu. Minha idéia com a sinuca havia sido bem sucedida, mas eu sabia que era um risco muito grande viver de jogos. Mas enfim, ao menos agora eu ganhava mais tempo pra pensar em mais algo.


As idéias iam acabando, a grana também. Não sei explicar como, mas eu ainda me sentia estranhamente calmo e razoavelmente confiante! Amigos, sabe se lá como, mas as coisas dão certo pra quem corre atrás e tem força de vontade, e estes dois fatores eu sabia que tinha de sobra. Falei com a minha mãe pela internet, mas aí a resistência emocional foi por água abaixo. Eu chorava muito, mas era muito fácil esconder isso sem se falar ou se ver , por mais que eu ache que ela notou que eu tava na merda, ela sempre sabe de tudo, incrível. Não disse que precisava de qualquer coisa, apenas disse que em breve eu poderia ter boas notícias, embora eu não soubesse quais seriam elas.