quinta-feira, 3 de julho de 2008
Roda América na Uol!
terça-feira, 20 de maio de 2008
Pé na estrada, companheiros!
Ainda sinto dores no joelho, mas já posso caminhar sem bandagens, e tudo indica que voltarei a correr em duas semanas mais. É fato que a dor vai me acompanhar pelo resto da viagem, mas quem disse que seria fácil? Sei que todos no Brasil andam preocupados com isso, a julgar pelas dezenas de e-mailsque recebo dizendo que não sou o super homem e que talvez seja a hora de parar. Definitivamente estou longe de ser um super homem, porém tenho determinação, planejamento e responsabilidade com as coisas que quero muito. Na ausência de super poderes, utilizo o que tenho de melhor em mim para prosseguir, e não preciso de muito mais do que isso.
Quanto ao meu salário que nunca chegava, perdi a paciência e entrei com uma ação no Ministério do Trabalho boliviano, simplesmente para reclamar pelo que era meu por direito. Inicialmente tive medo de colocar tudo a perder ao fazer isso, até por saber que enfrentaria na corte um dos melhores advogados da Bolivia, com o agravante de não ter grana para pagar um. Na ausência de advogados, peguei emprestado um livro de leis trabalhistas bolivianas e comecei a estudá-lo feito um louco. Tenho a impressão de que depois disso eu até passaria no exame da “OAB” boliviana, e que minha irmã advogada e estudiosa não leia esta barbaridade de um pé rapado como eu. Enfim, o fato é que depois de uma cansativa audiência, com direito a golpes baixos inimaginéveis, consegui refutar as objeções, partir para o ataque e ganhar este estranho e novo jogo legal. Os advogados que me perdoem quanto a provavél opinião infundada, mas este tempo de Bolívia tem me ensinado que a lei normalmente serve como ferramenta do mais forte para coagir o mais fraco, sendo o rico obviamente o ocupante do lado mais forte nesse mundo capilalista metido a besta. Saí da audiência vitorioso, de alma lavada e com alguma ligeira fé na justiça perante a tanto advogado vendido nesse mundo.
Ok, recuperei a grana do salário, mas com isso ainda não daria pra pagar as dívidas que fiz nestes 3 meses esperando a boa fé alheia. Para reverter este quadro, na próxima semana começarei a trabalhar meio período como cheff aqui no hotel e meio período como Consultor de Marketing externamente. Juntando essa trabalheira toda com as horas de treino, dormirei não muito mais do que 5 horas diárias, mas em troca terei a segurança de que meu sonho segue em passos firmes. Para completar a festa, esporádicamente estou dando aulas de marketing na Universidade Católica de La Paz – uma espécie de PUC boliviana – substituindo um professor amigo meu. Em 5 semanas dando aula e trabalhando como consultor, terei grana suficiente pra pagar as dívidas, comprar minha câmara que foi roubada e ainda ficar com uma módica quantia para meter o pé na estrada. Mal posso acreditar em como tudo se ajeitou.
É compreensível que todos pensem que tantas desditas não valem a pena, mas permitam-me contradizer isso, com base a tudo o que tenho vivido e aprendido nesse mundão grande que agora é meu novo lar. Saí do conforto de minha casa no Rio de Janeiro justamente para viver a vida, com todos os seus prós e contras, o que é muito melhor do que esperar que as coisas caiam do céu. Realizo um sonho, o que invariavelmente significa sair da zona de conforto e enfrentar a vida de frente, descobrindo que ela e eu não somos exatamente inimigos. Amo as coisas boas que surgem no caminho, mas meu coração fica faiscando quando enfrento um novo desafio, e com isso vou crescendo e aprendendo a ser alguém melhor. Não posso mais negar que me transformei em um aventureiro compulsivo e feliz com as atrocidades em que meto, mas a vida tem sido muito mais bela e simples enquanto tenho feito o que quero, como quero e com quem quero. Viver bem é sempre uma questão de escolhas, e sou feliz com as que tenho feito.
segunda-feira, 28 de abril de 2008
Mudar o mundo. Porque não?
Hoje ao jogar o lixo fora, me deparei com duas senhoras que aguardavam para recolher as sobras de comida que eu trazia em minhas mãos. Ambas aparentavam pelo menos uns 60 anos de idade, mal tendo energia para carregar tanto peso. Elas aguardaram a minha chegada por mais de duas horas a fio.
Juntei minhas últimas moedas, literalmente as últimas, para comprar-lhes algumas frutas, tendo com isso algum tempo pra conversar sobre o que acabara de ocorrer. Com uma surpreendente naturalidade, uma das senhoras me disse que o lixo que eu trazia em minhas mãos seria sua única refeição do dia, e que ainda dava pra guardar algo para sua neta que acabara de nascer. É claro que não foi a primeira vez que vi gente batalhando pelo lixo, mas desta vez finalmente me dei conta de que isso não pode ser normal nem tolerável. Realmente não entendo mais como seria possível não se revoltar com tamanha desigualdade. Não, as coisas não precisam ser assim. Não enquanto existirem pessoas que compreendam o quanto isso é inconcebível.
Hoje paguei pela comida delas, porém quantos mais como eu seriam necessários para que pessoas como as duas senhoras não tenham mais fome? Mais do que de alimento, precisamos criar a vontade de lutar por uma vida melhor para todos, despertar a consciência de que as coisas são assim também por nossa omissão. Sempre foi muito fácil pensar que a sociedade é injusta e desigual, mas agora vejo que também sou parte disso, apenas por minha conivência. Não adianta dar esmola, é preciso pensar em como fazer a diferença de verdade. Não, não sei o que fazer ainda, tampouco penso que sou capaz de mudar o mundo sozinho, mas quem sabe outros tantos como eu juntos conseguiriam algo de real importância. Longe de mim ser um novo Che Guevara, mas de fato ao fazer viagens tão profundas a gente descobre que alguma mudança substancial precisa ocorrer na sociedade.
Com o tempo descubro o quanto o mundo vai além de meu umbigo, e que algo de muito grande precisa ocorrer para que meus filhos possam ter uma vida ao menos ligeiramente digna. Não penso em armas ou bravatas, apenas em uma ideologia que seja capaz de mobilizar as pessoas para um mundo mais justo. Não é suficiente dizer que há gente morrendo por não ter o mínimo para viver, não se isso ocorre bem distante nossos olhos. Nos livros de histórias aprendi muito sobre as revoluções, porém somente o contato com o mundo me fez perceber a importância de revolucionar a mim mesmo antes de tudo, e se possível convencer aos outros para que façam o mesmo. Então que seja cultivada e exercitada nossa capacidade de indignar-se com o que antes pareceria óbvio, para que finalmente nos demos conta sobre o que pode ser feito para que as coisas não sejam mais como são.
segunda-feira, 21 de abril de 2008
Joelhos rompidos, problemas judiciais e outras bobagens
Primeiramente, acaba de contecer o que o meu treinador, minha amiga fisioterapeuta e muitos outros previam: Rompi os ligamentos dos dois joelhos. Um belo dia você está andando, quando de repente escuta um “crack”, se contorce com uma dor jamais antes sentida e não consegue mais caminhar. Pois bem, em um belo outro dia acontece o mesmo com o outro joelho... Consultei um fisioterapeuta aqui em La Paz, que me disse que em teoria precisaria operar tudo isso, mas tal feito me deixaria inativo nas pedaladas por uns 6 meses, dos quais eu não disponho. A boa notícia é que pedalar assim não vai me causar perigos graves, somente uma dor insuportável que vai me acompanhar sazonalmente. Sempre ouvi que todo atleta aprende a se acostumar com a dor, e este vai ser o meu mais novo aprendizado.
Outro grande obstáculo que terei de enfrentar será quanto ao recebimento do meu último salário da empresa onde trabalhei como consultor de marketing. Além da previsão de que a grana de fevereiro chegará somente em 21 de maio, há a possibilidade de que meu querido chefe americano resolva pagar meu salário somente mediante a um processo judicial, o que vai me gerar alguns anos de justiça boliviana para ver a cor da grana. Como meu visto de turista na Bolívia acaba de expirar, preciso passar um dia no Peru e voltar para a Bolívia para ter um novo carimbo de permanência, e óbviamente não tenho grana para isso. Pagarei uma multa por cada dia de atraso, e ainda não faço a menor idéia de como resolver esta questão.
Sempre disse por aqui que sabia que as coisas dariam certo, mesmo sem fazer idéia do meio com que isso ocorreria, mas agora a coisa mudou um pouco de figura. Tenho medo, muito medo, e me sinto extremamente inseguro. Preciso de uma idéia genial para poder pagar a minha conta do albergue onde me hospedo, aprender a suportar diariamente a dor no joelho que agora vai me acompanhar por toda a viagem, e ainda por cima aprender a ter paciência para não agir por impulso e colocar tudo a perder. Todos me dizem que este é o momento de ter calma e esperar, mas este nunca foi o meu estilo. Nunca fui um grande atleta, tampouco nasci com dom para qualquer coisa, mas com força de vontade e dedicação aprendi a superar essa desvantagem inicial. Se perco estas duas coisas, preciso encontrar uma nova habilidade em mim. Não, não encontro nada, mas preciso criar uma nova oportunidade para que a nova solução genial venha à galope.
Me olho no espelho e não vejo mais o aventureiro de antes, tampouco o brilho nos olhos que me fazia crer que tudo estava ao meu alcance. Já perdi dinheiro, saúde, meu pai e muito mais, mas sem a auto confiança de que passaria por tudo isso fica mais difícil de passar pelos novos obstáculos. Acho que sair de La Paz vai ser o meu maior desafio desde que iniciei a aventura, pois desta vez luto simultaneamente contra a justiça boliviana, meus joelhos e minha mente, isso sem ter a segurança de que estou preparado para tudo isso.
Me recordo que em minha infância morria de medo das trovoadas, até que finalmente me dei conta de que o prazer de tomar banho de chuva era capaz de me fazer superar o medo. Penso que meu prazer em viver a vida intensamente possa me fazer sair de peito aberto durante as novas trovoadas, das quais eu tanto temia. Cada vez mais recebo e-mails que me dizem o quanto sou incapaz de seguir até o final da jornada, mas ainda tenho a vantagem de saber que somente pessoas óbvias se compadecem com previsões óbvias. Posso ser o que for, mas ainda sei que posso contrariar as expectativas comuns.
terça-feira, 18 de março de 2008
Com o pé na cozinha, literalmente
A novidade principal, que pensando bem não é tão novidade assim, é que mais uma vez adio meus planos de saída de La Paz. Por diversas razões, não exatamente emocionantes o suficiente para detalhar aqui, o salário de todos os empregados da empresa onde eu trabalhava foi retido, o que vai me fazer aguardar aqui por um tempinho mais. Com esse último salário vou comprar umas coisas para a Capitu, um nova câmara (sim, roubaram a minha por aqui), e reservar um pouco para os imprevistos até o Peru. Como por aqui terei despesas até que a grana chegue, juntando com as coisas que vou ter que comprar, mais uma vez vou sair com pouca grana, mas todos sabem que isso não é exatamente um problema para mim. Tenho tudo o que preciso abaixo de meu capacete e em cima de meus sapatos, então o resto se ajeita com tranquilidade.
Nestes últimos dias comecei a trabalhar na cozinha daqui do meu hostel, pra economizar a grana de hospedagem e comida. Acho que finalmente estou trabalhando em algo mais de acordo com as minhas expectativas ao sair do Brasil, e confesso que estou me divertindo muito com a simplicidade dos meus novos colegas de trabalho. Outra grande vantagem é que estou aprendendo a cozinhar coisas de quase todo o mundo, passando por pratos asiáticos, europeus e sulamericanos. Pode parecer estranho para alguns o que vou dizer, mas creio que pelo menos uma vez na vida deveríamos experimentar o ato de servir a alguém. É um ato que exige grande humildade, o que não necessariamente quer dizer que se trata de uma relação de inferioridade. O fato é que definitivamente sou um cara mais adepto ao pessoal da cozinha, embora necessite conviver com o pessoal de gravata. Sendo assim, até que eu siga viagem vou dando uma de Cheff em La Paz.
Por enquanto vou seguindo por aqui, caros amigos. Treinando diariamente levantando pesos com latas de tinta, subindo montanha correndo, ganhando peso e etc. Praticamente um Rocky Balboa. rs
segunda-feira, 3 de março de 2008
A recuperação
Depois de um certo tempo, posso dizer com seguridade que estou 100% recuperado do que passou com meu pai e de tudo mais, pronto mais uma vez para seguir em frente. Não, definitivamente não foi fácil, mas a vida está por aí pra ser vivida, então que vivamos.
No auge da tristeza disse que não tinha mais de onde tirar forças em mim pra superar a morte de meu velho, e isso se manteve. Descobri que quando não há mais de onde tirar força, tantos e tantos amigos, familiares e desconhecidos chegam para dar tudo de si para que alguém fique melhor. Assim, sem pedir nada em troca nem nada. Puxa, não me faltaram abraços, amigos, carinhos e palavras de consolo, algumas vezes boas outras cheias de coisas em que não acredito, mas igualmente cheias de um altruísmo inacreditavelmente forte.
Por aqui no meu hostel em La Paz tive uma verdadeira família ao meu lado. Como sabiam que eu não queria subir ao bar para comer, todos traziam refrigerantes, chocolates e sanduíches a todo instante, sendo que traziam exatamente o que sabiam que eu gostava. Como se somente isso não fosse suficiente, o pessoal se juntou pra comprar uma passagem de ida e volta pro Rio de Janeiro, pra poder ir ao funeral. Nem todos por aqui têm muito dinheiro, mas cada um cedeu um pouquinho pra poder ajudar. Agradeci comovidamente, mas não aceitei. Como ateu praticante que sou,penso que meu pai se foi e findo, por isso não há mais seu Batista em La Paz, Rio de Janeiro ou onde quer que seja, por isso não me faria muita diferença estar no seu enterro. Meu pai agora segue comigo, pra onde quer que eu vá. Não em espírito nem nada de místico, mas em minha lembrança, no que com ele aprendi, no que agora por ele viverei.
Agradeço imensamente a todos os e-mails que recebi e a todas as pessoas que estiveram ao meu lado. Galera, com vocês tudo foi muito mais fácil. Cada um ajudou de sua maneira... Não me faltou carinho, apoio, xingamentos pra fazer a gente pegar no tranco, ou simplesmente aquela coisa de “estamos juntos, pro que der e vier”. Claro que também apareceram os já tradicionais internautas que me encheram de conselhos egoístas do tipo “faça isso por nós”, “você não tem o direito de abandonar um sonho” e etc, como se eu fosse um livro de auto-ajuda ambulante. Sei lá, povo, vocês podem me trocar tranqüilamente por um livro do Paulo Coelho, Seicho-no-ye, sei lá.
Creio que não só tenha me recuperado, como agora tenho na morte de meu pai um incentivo extra pra seguir em frente, por isso agora me sinto mais forte do que nunca. Sei o quanto meu velho se orgulhava de minha viagem, e sei exatamente o que ele esperaria de mim nessa hora, então que siga a viagem, o sonho, a vida.
Obrigado, muio obrigado a todos...Não teria conseguido sozinho.
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008
A morte de meu pai, meu herói.
Hoje escrevo em pleno dia mais difícil da viagem, em pleno dia mais difícil da minha vida. Meu pai, que sempre foi meu melhor amigo e meu grande herói, acaba de falecer…
Tenho comigo a foto do último momento em que o vi, enquanto já com toda a equipagem passei antes em seu trabalho e disse “pai, tô indo…”. Nunca tinha visto meu pai chorar, mas dessa vez ele não conseguiu prender. Me olhou com aquele olhos tristes e simples de sempre, mas evitou dizer qualquer palavra. Apenas me abraçou longamente, dizendo finalmente que sentiria minha falta. Meu pai não queria que eu viajasse, mas segui mesmo assim, e sinto que a culpa vem me cobrar um alto preço por minha ousadia. O que passa é que o preço de realizar um sonho está alto demais pra mim, e não sei se desta vez consigo pagar por ele. Não tenho mais força, não mais, acho que desta vez fui pego de jeito.
Sei que celebrei ao máximo meu pai enquanto ele estava vivo. Talvez ninguém mais do que eu tenha dito o quanto o amava, ou tenha estado mais ao lado dele nas piores e melhores horas. No vídeo que fiz para ele no natal, disse tudo o que queria dizer mas esperava um momento especial, porém felizmente percebi em tempo que qualquer momento pode ser especial, e que a vida pode ser curta demais pra se deixar algo pra depois. Disse tudo aquilo porque que o tal momento especial poderia nem chegar antes da minha morte, não da ele.
Até no momento da morte vi o quanto eu era igual ao meu pai...Ele resolveu fugir do hospital pra ver os amigos, e pensei estupefato em quem seria idiota o suficiente pra fazer isso. Pois é, eu... Exatamente por saber que meu pai era tão igual a mim, com ninguém mais no mundo queria compartilhar tudo o que vi, vivi e senti, pois ninguém melhor do que ele saberia o que uma viagem significa pra mim. Agora não há mas pai, e junto com ele morreu aquela vontade de voltar e dizer “você tinha que ter visto isso, meu velho!”.
Acho que nunca senti uma dor tão forte em toda a minha vida. Puxa, cheguei em La Paz e perdi todo o dinheiro, mas já recuperei, depois perdi minha saúde e quase morri, mas estava me recuperando. Mas agora, perder meu pai é um golpe demasiado forte pra mim, justo no meu momento mais fraco. Tive nestes meses as decisões mais importantes da minha vida, e as tomei sem pestanejar. Primeiro deixo um emprego milionário em Nova Yorque, pensando que meu sonho era mais importante do que isso, e fiz o mesmo pensando que meu sonho era mais importante do que um grande amor que encontrei. Mas agora não dá pra pensar que meu sonho é mais importante do que meu pai...Meu pai é uma das coisas mais importantes da minha vida, e poderia largar tudo pra poder dar um longo abraço no meu velho de novo... Nesta viagem perdi meu dinheiro, depois minha saúde, agora um dos meus laços mais fortes, por isso não sei por onde mais posso ser atingido.
Recebo diariamente montões de mensagens de gente que tem o Roda América como um exemplo a seguir, mas sinto informar que dessa vez todos terão que arranjar outro messias. Sempre disse que sou um cara normal, então tenho o consolo de saber que não os decepciono pelo fato de ter avisado antes. Hoje não dá pra ser valente, não dá pra ser herói. Hoje não dá pra ser nada. Tento tirar forças não sei mais de onde, porém não se trata mais de poder seguir viagem, pois apenas quero o minímo de condição emocional para poder sair da cama pra comer algo ou caminhar. Nos piores momentos de minha vida sempre soube o que fazer, mas dessa vez me encontro completamente perdido e sem a menor idéia de absolutamente nada.
Puxa, um dos grandes motivos de seguir em frente foi pra dar orgulho a pessoas como meu pai, e sempre trabalhei muito pra ser um filho digno da educação e do carinho que recebi. Mas agora...de que me serve o orgulho quando não há mais um abraço? De que me serve um sonho quando se vai uma pessoa que amo? Minha cabeça por hora está demasiadamente confusa, mas tenho a ligeira impressão de as coisas não têm valido a pena o suficiente. Trocaria tudo o que vivi e conquistei por alguns segundos mais com o meu velho.
Claro que conservo o mínimo de racionalidade pra ter a noção de que não estou em condições de tomar decisão alguma, mas há a possibilidade de que o Roda América termine por aqui. Sim, acho que até mesmo os sonhos têm limites...
quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008
Hepatite, Salmonela e outras bobagens.
As três coisas vieram provenientes da alimentação boliviana, que ja disse por aqui que não é exatamente um padrão internacional de higiene. Depois da primeira vez com Salmonela, aprendi a não comer mais na rua e etc, mas mesmo assim continua sendo uma questão de sorte não ficar doente. Imaginem o seguinte: Como quase não existem supermercados por aqui, e quando existem são caros, todos os restaurantes compram carnes, verduras e afins dos chamados mercados populares, então até mesmo um restaurante de luxo já fica com a qualidade de sua comida meio duvidosa. Nestes mercados populares as carnes não ficam no gelo, geladeira ou qualquer coisa parecida, e cortam as carnes com a mesma mão sem luva com que te dão o troco, isso quando não fumam enquanto cortam a carne e etc. Sem contar o chão cheio de lama, o ambiente que fede a urina e o pessoal que espirra em cima da comida e depois te dá. Agora, com essas noções tremendas de higiene, não dá pra pensar que um filho da puta desses vai lavar a mão depois de ir ao banheiro (tirem as crianças da sala, hoje tô puto. Rs).
Pois é, comi uma bomba. O negócio é que como a Salmonela é rencidente ela corria o risco de ser crônica, e também que com ela e mais a infecção urinária eu teria que tomar antibióticos pesados, mas comprometeriam o fígado ferrado pela hepatite. Não me sinto tão mal assim, mas os médicos cismam de dizer que eu preciso de muitos cuidados, sendo que um deles até perguntou se não poderia voltar ao Brasil pra me tratar, ouvindo de minha boca apenas um “muchas gracias por la preocupación” enquanto eu, novo pavio curto do pedaço, me segurava pra não mandar o sujeito tomar bem no meio do rabo gordo dele ou ter um sistema de saúde decente pra me tratar. Tá, tô desbocado e irritado, mas ninguém pode dizer que não avisei...rs
O fato é que amanhã vou ser internado, mas sei que nem tudo está perdido, pois afinal me emprestaram um game boy enquanto isso (com Mario Kart e tudo). Tá, falando sério agora. Avisaram que o tratamento não vai ser nada que vá trazer sequelas ou com procedimentos de risco, coisa muito tranquila, então o pessoal pode ficar despreocupado, de verdade, MESMO. A parte boa disso tudo é que os doutores ficaram impressionados com a capacidade de recuperação do meu corpo, pois há 5 dias atrás eu tinha 3 tipos de Salmonela (de 4 possíveis), e com isso em breve quem sabe teria que operar, mas o meu corpo expulsou 3 e está prestes a expulsar a quarta em um período de tempo nunca antes visto pelo pessoal, e por isso apenas a Hepatite preocupa os caras agora, fora que não há mais riscos de operação nem nada drástico. Confio no meu corpo. Meu problema agora é mais psicológico do que físico.
Tenho recomendação médica de ficar 1 mês sem atividade fisica alguma, justo quando estava com o melhor condicionamento que havia alcançado desde o início da aventura, fora o fato de que vou perder alguns preciosos quilinhos. Com isso tudo vou ter que voltar a pedalar perdendo tudo o que eu conquistei nestes 3 meses de treinamento intenso em La Paz... Puxa, cheguei aqui e perdi toda a grana, comecei tudo do zero e trabalhei duro pra juntar a grana de novo. Quando recupero a grana, começo tudo de novo de novo na parte física! No momento não sou lá um exemplo de força e perseverança pra começar tudo de novo, de novo, porém estou mais do que convencido de que não dá pra ser forte sempre, por isso já sei que isso é apenas temporário. Estou cansado de me recuperar e perder tudo...realmente cansado. Um padre italiano que conheci no Mato Grosso do Sul dizia que não é bom ficar doente longe da mãe, e quem sabe seja somente isso...rs
Tinha muitos planos para a próxima semana, já imaginando o cheiro das montanhas, o vento a correr na face e os olhares puros dos povos no meio do nada, já com meu coração saltitante e os olhos acesos como os de uma criança. Enfim, meus olhos no momento se encontram apenas amarelados devido a Hepatite, mas creio que em breve voltarão com a vivacidade dos aventureiros, com o coração saltitante dos sonhadores que realizam um sonho. Enfim, a boa notícia é que provavelmente conseguirei o que muitos queriam e poucos concluíram: Zerar o modo carreira do Mario Kart.
quinta-feira, 17 de janeiro de 2008
Trabalho X Sonho
Claro, nem tudo são flores. Tenho trabalhado umas 12 horas por dia, e ainda ido treinar umas 4 horas diárias para poder seguir viagem em breve, trabalhando normalmente por pelo menos umas 8 horas aos sábados ou domingos. Pois é, descobri o estilo americano de trabalho, em que é inadmissível que se tenha qualquer tipo de vida extra trabalho. Imaginem o seguinte diálogo:
- Bom – Digo eu ao meu chefe americano – estou trabalhando desde as 5 da manhã e agora são 8 da noite. Estou saindo para ir treinar, ok?
- Como assim??!! – Diz meu chefe aos berros – Porque já? Você tem um monte de metas a cumprir ainda!!
- Ok, mas são com prazo para daqui a 1 semana!
- Que importa! Se você terminar antes poderemos te dar outras metas mais ousadas. Porque você quer ir? Desmotivação?
- Simplesmente porque sou um ser humano de vez em quando. Não sou uma máquina!
- E quem disse que não?! Enquanto você estiver aqui, será uma máquina quando for necessário!!
- Ok...a máquina aqui está indo, pois além daqui eu tenho um sonho a realizar.
- Se for agora, está demitido!! – Diz meu chefe já vermelho.
Ouvindo isso, continuei caminhando rumo à porta de saída, mas antes virei para um último aviso.
- Ok. Do it! Suas escolhas e suas conseqüências. Volto amanhã e assino minha demissão. Agora te digo que não aceitarei qualquer pedido de regresso, então é bom saber medir os resultados disso.
Dito isso, saí da sala rumo ao meu treino exaustivo de cada dia. Puto da vida, mas assoviando para mentir que estava tranqüilo com a loucura que acabava de fazer.
No dia seguinte voltei calmamente ao trabalho, quando o próprio chefe chega em minha sala para um “papo amigável”, cheio de sorrisos e desculpas. Mais do que nunca sei que sou muito bom no que faço, mesmo que com isso eu me dê certos luxos, tais como ter um sonho. Além de ser mantido no emprego, pedi o dia de folga, só pra ter certeza que meu espaço estava devidamente demarcado.
Saí às 9 da manhã para um passeio de bike, ouvindo bossa nova por todo o dia. Escutar Vinicius de Morais me faz lembrar de como a vida pode ser mais leve, simples e bonita.
domingo, 6 de janeiro de 2008
La Carretera de la muerte - Parte 2
Sentia muito frio, fome e cansaço, mas esquecia tudo isso ao ver a lua cheia que por sobre a neblina iluminava as gigantes montanhas pelo caminho, dando um tom sobrenatural a tudo. De tão forte que estava o luar, nem mesmo acendi os faróis da Capitu, embora com ambas as luzes a neblina me impedisse de enxergar um palmo a frente de meus olhos. Mas enfim, pouco importava, pois jamais havia visto algo do tipo em toda a minha vida.
Quando o frio já deixava meu corpo ligeiramente dormente, sem que com isso avistasse qualquer coisa semelhante a um bípede pelo caminho, vi dois pares de luzes bem distantes, que vinham de um lugar bem alto. Já meio inconsiente, pensei por meio segundo que se tratava de um disco voador, mas obviamente isso durou apenas meio segundo (fala sério! rs). Eram as luzes de um posto de gasolina, por onde avistava finalmente um par de pessoas que quem sabe poderiam me oferecer abrigo. Já me acostumei com a cara de espanto das pessoas nestes momentos inusitados, com aquele olhar de “que diabos esse cara tá fazendo aqui?”, sabendo que a neblina, meu estado deplorável e a noite fria conferiam a mim um aspecto meio fantasmagórico. Por tudo isso, não poderia esperar inicialmente muita hospitalidade, mas isso foi somente no início. Depois de explicar todas as emocionantes aventuras do dia, o dono do posto topou deixar eu dormir por lá, com direito a sopa quentinha, que foi uma das melhores que tomei em toda a vida. Foi uma das melhores refeições que já fiz, pois enquanto a sopa quente descia garganta abaixo, ia sentindo novamente cada parte do meu corpo já dormente pelo frio.
Depois de acordar totalmente recomposto, me despedi e segui em frente rumo a Coroico, desta vez com tempo bom. Finalmente cheguei à temida “Carretera de la muerte”, que tem o acolhedor nome por ser considerada a estrada mais perigosa do mundo, e não é muito difícil de entender porque: De um lado se vê uma grande montanha, de outro um gigante abismo cheio de pedras ao final. No meio disso estava a estrada onde eu passava, extremamente estreita e cheia de barro e pedra. Como se não fosse suficiente, uma série de quedas d’água molhavam a estrada e deixavam tudo muito mais perigoso. Esta estrada tem a fama de não ter deixado ferido algum em seu leito, já que 100% dos acidentes ocorridos resultaram em morte, e as cruzes que eu via a cada quilômetro me faziam lembrar disso. Como normalmente ocorre em toda a Bolívia, sempre penso que “Tá frio, é perigoso, é difícil que só...mas caramba, como é bonito!”. Tudo o que a Bolivia te toma devido ao esforço assombroso que exige, te dá em dobro em forma de natureza ou gente simples e acolhedora.
Ao final da tarde eu já havia chegado em Coroico, mas isso já não era tão importante assim. Em viagens como esta, mais portante do que o destino final é o caminho que se faz para chegar até ele.