sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

La Carretera de la muerte - Parte 1

Na pedalada de natal resolvi enfrentar com minha fiel escudeira Capitu a estrada mais perigosa do mundo, “La carretera de la muerte”. Este caminho, que liga as cidades de La Paz e Coroico, reserva muitas aventuras, e exatamente por isso segui por ele.

Tudo começou com uma subida de La Paz até um lugar chamado La Cumbre, que assusta com os seus 4800 metros acima do nível do mar. Além da subida ser extremamente cansativa, o frio se torna cada vez mais insuportável, com ventos que rasgam a face e uma neblina que me impedia de ver 10 metros à frente. Quando cheguei ao pico da montanha, simplesmente esqueci de tudo ao vislumbrar a cidade de La Paz bem do alto, com suas montanhas nevadas e construções fantásticas nas margens de cada morro. Perdi o fôlego, mas felizmente não foi por causa da altitude, com a qual já estou mais do que acostumado.

De La Cumbre em diante seriam umas 3 horas de pura descida, o que teoricamente me daria certa tranqüilidade, mas se não tivesse aventura não seria mais o Roda América!!! Pois bem, vi uma estrada paralela, sem asfalto e cheia de pedras, com uma placa escrita “Desvio para bicicletas”, e foi meu grande erro seguir por ela. Enquanto baixava a sinuosa estrada, apareceram algumas bifurcações sem placas para me dizer por qual caminho seguir, me dando somente as escolhas de retornar ou tentar a sorte. Escolhi a segunda opção. Os que bem me conhecem sabem que não sou exatamente um cara sortudo, por isso depois de seguir montanha abaixo por mais de uma hora, eis que simplesmente me deparo com um rio, sem estrada nem qualquer possibilidade de caminho adiante.

“Ok, voltarei”, pensava eu com meus borbotões, mas ao olhar para trás e ver a montanha que teria que subir percebi que esta seria uma tarefa árdua. Pedras grandes me impediam de subir com a Capitu, então me limitei a carregar minha fiel escudeira lentamente por mais de duas horas a fio. Não conseguia ver quase nada devido a neblina que não dava trégua, apenas me limitando a seguir mecanicamente a estrada, sem poder ver se haveria algum caminho mais curto até o asfalto. Pela quantidade de brumas, parecia que em breve eu chegaria em Ávalon.

17:30, iria escurecer em breve. Peguei a barraca para dormir e recomeçar a subida no dia seguinte, quando vi que uma das peças estava quebrada. Ai ai ai ai ai ai ai ....Com frio, sem ver quase nada, sem barraca, sem qualquer bípede ou sinal de civilização...As coisas começavam a se complicar pro meu lado. Não sei explicar exatamente como isso acontece, mas quando o bicho pega não me dá exatamente uma sensação de medo, apenas fico com uma espécie de “sentido mais apurado das coisas”. Uma calma e um instinto de sobrevivência extremamente apurados se ocupavam de 100% de mim desde aquele instante.

Ao subir encontrei um grupo de índios que caminhava lentamente entre as montanhas, então apressei-me em alcançá-los para pedir informações e ajuda. Apenas um índio que aparentava uns 13 anos falava, muito mal, castelhano (os outros se comunicavam em Aymara), e ele começava a traduzir aos outros o que eu dizia. Depois que o jovem havia dito tudo, aguardei ansiosamente enquanto os outros índios discutiam em Aymara o meu destino. Eis que eles olharam para mim e apenas sorriram amavelmente. Dessa vez não precisei de tradução, pois certas coisas são universais.

O que aparentava ser o índio mais velho separou 3 outras pessoas para me ajudar a escalar uma montanha, que daria em uma estrada asfaltada. A esta altura do campeonato eu já não tinha pernas pra escalar uma montanha carregando qualquer coisa, quanto mais uma bicicleta e mais 40 quilos de equipagem, e os índios perceberam isso e carregaram absolutamente tudo para mim montanha acima, e tenho a impressão de que carregariam até a mim mesmo se eu pedisse. Já habituado aos costumes bolivianos, peguei um pouco de meu escasso dinheiro e ofertei a eles, quando para minha surpresa eles recusaram categoricamente. Os índios sorriram mais uma vez e disseram ao tradutor do Grupo: “Não cobramos ajuda a quem necessita, apenas ajudamos. Este será seu presente de natal, pra recordar o que representa o povo boliviano". Jamais esquecerei esta gente forte, amável e de uma pureza de espírito incompreensível para muitos.

Desta vez também não precisei de tradutor. Apenas dei um longo e emocionado abraço em cada um dos que me ajudou, tentando com este gesto dizer o que jamais conseguiria ser traduzido para qualquer idioma.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Terrorismo brasileiro

Estava eu trabalhando quando Michael, meu chefe americano, me chama aos risos para mostrar a seguinte notícia no New York Times:

Papai Noel é recebido a tiros no Rio de Janeiro

- Ei, as coisas estão bem seguras no seu país, hein!! Até o Papai Noel...
- Fazer o que, deve ter gente que não acredita nele por .
- Mas imagina as crianças esperando o Helicóptero chegar, quando chegam um bando de traficantes e atiram no bom velhinho!! Onde fica a polícia nisso tudo?

Silêncio....
Ao invés de dizer a verdade, que os policiais morrem de medo de entrar no morro, preferi contra atacar:
- Pelo menos no Brasil não há terrorismo!
- Terrorismo?! Vocês atiraram no Papai Noel!! Além do mais, olha essa parte da matéria:

“ As favelas brasileiras funcionam como territórios independentes, com leis próprias e ausência do Poder público. Os policiais temem entrar nessas áreas, mesmo porque os traficantes possuem armamentos superiores”

Triunfante, Michael me diz:

- Você vai me dizer que isso não é terrorismo?

Fazer o que, meus amigos...durma-se com um barulho desses...

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Tensões políticas na Bolívia

Ultimamente a situação tem andado bastante delicada aqui por essas bandas bolivianas, ainda mais quando se vive em La Paz, ainda mais quando se vive a 100 metros do palácio do governo.

Antes de qualquer coisa, é preciso dizer que na Bolívia o buraco é muito mais embaixo quando se trata de política. Aqui este assunto é discutido nos bares, nas casas ou em qualquer lugar, com ardor igual ao de um fla-flu. É normal andar pela rua quando meia dúzia de pessoas, munidas de cartazes e muita revolta, bloqueiam uma avenida e começam a se manifestar, e em alguns minutos outras pessoas se juntam com cartazes improvisados e dão coro ao movimento improvisado. Em menos de 15 minutos, o movimento de apenas 6 pessoas chega a atingir quase 100, no mínimo. Pra quem se acostumou a ficar esperto pra não tomar porrada nos movimentos estudantis no Brasil, foi uma boa surpresa ver que a polícia reagia pacificamente a tudo isso. O grande problema é que as revoltas aqui são tão comuns que o pessoal já meio que se acostumou, e apenas dizem “Ih, mais uma vez pararam a avenida...” e voltam à rotina sem dar muita importância ao que passa.

Pois é, agora coloquem nesse cenário uma série de polêmicas políticas e sociais culminando de uma só vez em um país. A nova constituição foi aprovada (com pontos muito polêmicos) ao mesmo tempo em que outros estados declaram autonomia do governo, com o agravante das tensões acerca da troca de capital de La Paz para Sucre. Junte a isso uma intensa divisão entre brancos e índios, ou índios entre índios, ou altiplano e oriente...enfim, sobram divisões em terras historicamente carentes de unidade. A unidade, como normalmente na América Latina, é imposta pela lei do mais forte ou, mais comumente, do mais rico. A grande questão é quando o povo descobre que não necessariamente as coisas precisam funcionar dessa maneira, e aí o bicho começa a pegar...

De vez em quando aparecem algumas pedras misteriosas que ninguém sabe de onde vem, algumas vezes elas alcançam vidraças, outras vezes pedestres. Por via das dúvidas, a ordem por aqui é de não andar de bobeira pela cidade. O chefe das forças armadas nos pede pra estocar alimentos em grande escala, pois os militares podem intervir não exatamante de forma amigável em caso de revoltas populares. Neste sábado, os mercados estavam cheios de donas de casa comprando todo tipo de coisa, como os americanos que a gente vê na TV quando sabem que um furacão está por vir. Nítido por aqui é que o povo não está de brincadeira, por mais que se fragmente em múltiplas direções.

Começo a pensar um pouco mais seriamente sobre a desorganização da esquerda latino americana. Sobram revoltas e pessoas fortes, falta a organização necessária para que todos gritem em uma só voz. Enquanto toda a direita se une em prol do simples motivo de ganhar mais dinheiro a qualquer custo, vejo uma esquerda fragmentada entre muitas bandeiras, cujos valores são tão grandes quanto suas divisoes. No dia em que os movimentos sociais se unirem sob uma bandeira, poderemos finalmente obter algo definitivamente expressivo política e socialmente.

No meio de toda esta tensão louca está o povo, por vezes ativo e por vezes espectador, porém sempre o mais afetado nestas loucas batalhas de poucos. Os políticos defendem interesses próprios disfarçados de causas populares, o que arrebata uma imensa quantidade de seguidores que apenas são utilizados como massa de manobra. A regra de ouro aqui na Bolívia é encontrar um povo extremamente trabalhador, honesto e disposto a fazer algo de útil por seu país, porém ingênuo ao ponto de acreditar no que alguns “bons samaritanos” lhes dizem em interesse próprio.

Não sou um especialista político e já aposentei minha carreira jornalística, apenas tenho vivido e analisado as coisas como qualquer pessoa por aqui. Vale a pena procurar mais a respeito das tensões na Bolívia, já que a imprensa brasileira praticamente ignora o que aqui parece uma questão de relevância capital. Sugiro que busquem os materiais publicados por uma jornalista chamada Sue Iamamoto, que estão bem fiéis ao que está passando e escritos de acordo com a ótica do camponês boliviano, quase nunca ouvido pelos meios de massa. Ela disse que faria um blog com isso tudo, mas por via das dúvidas utilizem o grande google que tudo pode e tudo vê. Rs

Repenso muito sobre estas questões políticas, e começo a pensar que as coisas realmente podem ser de outro jeito... Já há pessoas dispostas a mudar as coisas, assim como força de vontade para tal. O que falta é reinventar o meio para atingir isso...

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

La chica Suiza

Em Uyuni, havia conhecido uma adorável Suíça chamada Jeanine. Na ocasião não ocorreu absolutamente nada, mas depois de muitos papos nos meses seguintes, resolvemos nos encontrar em La Paz. Sempre disse que não falaria de mulheres no blog, mas tudo foi marcante demais para que eu deixe isso em branco.

Como agora trabalho para o Governo, pedi para a secretária ligar para um dos melhores hotéis da cidade e dizer, na maior cara de pau: “Olha, está chegando do Brasil nosso Especialista de Marketing pra prestar serviço ao Ministério de Turismo. Ele vem com sua esposa da Suíça, por isso quer a melhor suíte de vocês. Qual é o desconto que pode ser feito?” Conseguiram para nós uma suíte imensa e cheia de regalias, pagando quase o mesmo que em meu humilde hotel de mochileiros. A recepcionista estranhou ao ver que o especialista em questão mal tinha barba na cara e ainda não havia saído das fraldas, mas no final das contas acreditou em nós de boa, eu acho.

No começo é difícil pensar em compartilhar a vida com alguém de novo, ainda mais depois que se acostuma a fazer tudo sozinho, mas aos poucos redescobri como é bom ter alguém especial do nosso lado. Um dia cheguei muito estressado do trabalho, cuspindo marimbondo e reclamando de tudo, quando chega Jeanine com aquele olhar sutil e intenso que poucas mulheres sabem fazer, se aninha no meu peito com um singelo abraço e diz “Calma, Ricardo...Vamos resolver isso juntos...”. E eis que o panaca aqui simplesmente se derrete, substituindo a cara amarrada por uma inexplicável paz interior. Sempre gostei de resolver tudo sozinho, mas aprendi que tudo pode ser bem mais fácil com coisas muito mais simples, como um abraço.

O complicado é que ela ficaria em La Paz apenas por 6 dias. É como se você fosse ao médico e descobrisse que tinha 1 semana de vida, e por isso aproveita tudo com mais intensidade, não sei se dá pra entender. Vivemos dias muito felizes, sem fazer absolutamente nada de tão especial, apenas vivendo um ao outro. Nos apaixonamos perdidamente, como se por esse breves dias a vida fosse mais simples e fossemos muito fortes, pois agora tínhamos um ao outro.

O grande problema de ser um viajante é que tudo sempre é obrigatoriamente passageiro, incluindo eu mesmo. Os dias passavam e aos poucos nos dávamos conta de que em breve nos separaríamos, para quem sabe nunca mais nos vermos. Ela em breve voltaria para seu país e eu por outro lado não desistiria de meu sonho. Sempre batia no fundo aquela sensação antecipada de despedida, e nenhum abraço era suficientemente forte pra fazer com que o outro não se vá, nenhuma palavra poderia ser dita mais do que no presente ou no pretérito. Se ambos queriam ficar juntos, é bem complicado perguntar porquê tudo tem que funcionar assim. O que passa é que o mundo é muito grande e a vida segue por rumos muito distintos, por isso às vezes simplesmente nos vemos sem muita escolha. Me preparei demais para ter um físico de atleta e um coração de aventureiro, mas os maiores obstáculos da viagem sempre chegam por onde eu menos espero...

Dá pra imaginar como foi o dia da despedida...Lágrimas soltas, abraços infindáveis, beijos emocionados. Quando Jeanine entrou na área do Aeroporto proibida para visitantes, via lentamente seus passos indo pra longe, provavelmente em definitivo. Quando já havia entrado, ela pede ao policial pra voltar até onde eu estava, só pra um último contato. Foi difícil reviver a sensação do último beijo, cheio de lágrimas...Tá, podem dizer que a cena soa como filme Holiwodiano barato, mas algumas coisas simplesmente acontecem sem que a gente pense direito nelas.

Depois da despedida, saí arrasado do aeroporto e entrei no táxi, chorando feito um bebê. Inicialmente o taxista tentou manter a naturalidade e perguntar polidamente para onde eu ia. Respondi gaguejando o meu destino, sem conseguir parar de chorar. Ao ver a cena, ele não se conteve e começou a gargalhar igualmente sem controle, dizendo “desse tamanhão e fica chorando que nem criança, que marica!”. Pois é, digamos que normalmente os bolivianos não são exatamente lordes ingleses...rs No final das contas acabei rindo também durante a viagem toda, e nos divertimos com a situação.

Bom, vou por aqui tentando me reacostumar com minha vida solitária, que por fim eu amo e por isso sei que será mais fácil do que imagino agora. Parto dois corações, um deles sendo o meu, mas em troca ganho a América e seus encantáveis desafios. Por breves segundos de fraqueza me questiono: Uma grande namorada no Brasil, amigos, família, um grande emprego em Nova York, uma paixão arrasadora.... Quantas coisas mais vão testar minha força de vontade? Quantas peças inesperadas aparecerão no caminho?

Sei lá, que venham mais desafios e mais experiências emocionantes. Segui viagem exatamente para isso.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Roda América na Folha de São Paulo!!

Hoje, 03 de dezembro de 2007, saiu a matéria sobre o Roda América na Folha de São Paulo, com fotinha e tudo!! Apesar de não morar em Niterói, e tampouco ter um laptop, gostei da abordagem da matéria.

Ainda não me vejo como dizem na matéria ou nos e-mails que tenho recebido. Sei lá, ainda me imagino como um cara normal que saiu pelo mundo pra realizar um sonho! Rs Minha mãe deve estar adorando ver isso!!!!uahauahauah

Enfim, segue a matéria completa. Espero que gostem:

De magrela pela América
Com uma bicicleta e um laptop, jovem encara sozinho as estradas abertas do nosso continente
Por Luiza Belchior

Troque a moto pela bicicleta e as anotações em papel pelo diário virtual e o carioca Ricardo Martins, 22, se torna o Che Guevara -do filme "Diários de Motocicleta"- dos tempos modernos. Há três meses, largou o emprego fixo, família e namorada pelo sonho de uma viagem de bike pela América Latina.

O resultado da aventura, que Ricardo pretende terminar em Cuba só daqui a dois anos, ele vem relatando, a conta-gotas, em seu blog e videolog.E as histórias que o carioca já coleciona não são poucas: em três meses de viagem, dormiu em acampamento de sem-terras no Mato Grosso do Sul, trabalhou em uma mina de prata na Bolívia, passou dois dias com índios do Pantanal, aprendeu a laçar bois e organizou -e ganhou- um campeonato de sinuca. Tudo isso na companhia de Capitu, como ele batizou sua bicicleta.

Nas entrelinhas das aventuras que relata pela internet, Ricardo posta também lições de vida. Afinal, como ter coragem de jogar tudo para o alto em busca de um sonho? Muita preparação e planejamento, tranqüilidade e até um pouco de medo, ensina o jovem.

"De fato eu tinha uma boa carreira no trabalho, reconhecimento, bom currículo etc. Mas sentia que estava no momento de realizar uma grande aventura", disse o carioca, em entrevista por e-mail.

Ricardo conta que saiu do Brasil, mais especificamente de Niterói, cidade vizinha ao Rio onde ele morava com os pais, com exatos R$ 385,45 no bolso. Por isso, sabia que teria que arrumar bicos pelo caminho para levar a viagem adiante.Só que Ricardo foi assaltado em La Paz, na Bolívia. Chegou a ficar com o equivalente a R$ 10 no bolso até conseguir uma vaga de analista de marketing na Bolívia, posto que ocupará por mais três meses, para conseguir dinheiro e seguir viagem.
"Fiquei com fome, frio e sede, longe de todos os amigos e sem fazer idéia de como superaria mais essa", conta o aventureiro.

"Existem alegrias que fazem chorar ao conhecer tanta gente simples e forte, as descobertas e redescobertas de si mesmo, isso sem contar a incomparável sensação de liberdade que sinto ao pedalar", relata.

Ricardo planeja passar por Peru, Chile, Argentina e Uruguai. A última parada que consta em seus planos é Cuba, onde quer conhecer Alberto Granado, o companheiro do revolucionário Ernesto Che Guevara em uma viagem de motocicleta pela América Latina, relatada em filme por Walter Salles.

E depois? Descubra no próximo capítulo, ou melhor, post.