segunda-feira, 28 de abril de 2008

Mudar o mundo. Porque não?

Hoje ao jogar o lixo fora, me deparei com duas senhoras que aguardavam para recolher as sobras de comida que eu trazia em minhas mãos. Ambas aparentavam pelo menos uns 60 anos de idade, mal tendo energia para carregar tanto peso. Elas aguardaram a minha chegada por mais de duas horas a fio.


Juntei minhas últimas moedas, literalmente as últimas, para comprar-lhes algumas frutas, tendo com isso algum tempo pra conversar sobre o que acabara de ocorrer. Com uma surpreendente naturalidade, uma das senhoras me disse que o lixo que eu trazia em minhas mãos seria sua única refeição do dia, e que ainda dava pra guardar algo para sua neta que acabara de nascer. É claro que não foi a primeira vez que vi gente batalhando pelo lixo, mas desta vez finalmente me dei conta de que isso não pode ser normal nem tolerável. Realmente não entendo mais como seria possível não se revoltar com tamanha desigualdade. Não, as coisas não precisam ser assim. Não enquanto existirem pessoas que compreendam o quanto isso é inconcebível.


Hoje paguei pela comida delas, porém quantos mais como eu seriam necessários para que pessoas como as duas senhoras não tenham mais fome? Mais do que de alimento, precisamos criar a vontade de lutar por uma vida melhor para todos, despertar a consciência de que as coisas são assim também por nossa omissão. Sempre foi muito fácil pensar que a sociedade é injusta e desigual, mas agora vejo que também sou parte disso, apenas por minha conivência. Não adianta dar esmola, é preciso pensar em como fazer a diferença de verdade. Não, não sei o que fazer ainda, tampouco penso que sou capaz de mudar o mundo sozinho, mas quem sabe outros tantos como eu juntos conseguiriam algo de real importância. Longe de mim ser um novo Che Guevara, mas de fato ao fazer viagens tão profundas a gente descobre que alguma mudança substancial precisa ocorrer na sociedade.


Com o tempo descubro o quanto o mundo vai além de meu umbigo, e que algo de muito grande precisa ocorrer para que meus filhos possam ter uma vida ao menos ligeiramente digna. Não penso em armas ou bravatas, apenas em uma ideologia que seja capaz de mobilizar as pessoas para um mundo mais justo. Não é suficiente dizer que há gente morrendo por não ter o mínimo para viver, não se isso ocorre bem distante nossos olhos. Nos livros de histórias aprendi muito sobre as revoluções, porém somente o contato com o mundo me fez perceber a importância de revolucionar a mim mesmo antes de tudo, e se possível convencer aos outros para que façam o mesmo. Então que seja cultivada e exercitada nossa capacidade de indignar-se com o que antes pareceria óbvio, para que finalmente nos demos conta sobre o que pode ser feito para que as coisas não sejam mais como são.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Joelhos rompidos, problemas judiciais e outras bobagens

Grandes problemas novamente, e ainda não faço e menor idéia de como resolvê-los... Dessa vez a força de vontade não vai ser o suficiente, então preciso me reinventar. Enfim, já virou rotina.

Primeiramente, acaba de contecer o que o meu treinador, minha amiga fisioterapeuta e muitos outros previam: Rompi os ligamentos dos dois joelhos. Um belo dia você está andando, quando de repente escuta um “crack”, se contorce com uma dor jamais antes sentida e não consegue mais caminhar. Pois bem, em um belo outro dia acontece o mesmo com o outro joelho... Consultei um fisioterapeuta aqui em La Paz, que me disse que em teoria precisaria operar tudo isso, mas tal feito me deixaria inativo nas pedaladas por uns 6 meses, dos quais eu não disponho. A boa notícia é que pedalar assim não vai me causar perigos graves, somente uma dor insuportável que vai me acompanhar sazonalmente. Sempre ouvi que todo atleta aprende a se acostumar com a dor, e este vai ser o meu mais novo aprendizado.

Outro grande obstáculo que terei de enfrentar será quanto ao recebimento do meu último salário da empresa onde trabalhei como consultor de marketing. Além da previsão de que a grana de fevereiro chegará somente em 21 de maio, há a possibilidade de que meu querido chefe americano resolva pagar meu salário somente mediante a um processo judicial, o que vai me gerar alguns anos de justiça boliviana para ver a cor da grana. Como meu visto de turista na Bolívia acaba de expirar, preciso passar um dia no Peru e voltar para a Bolívia para ter um novo carimbo de permanência, e óbviamente não tenho grana para isso. Pagarei uma multa por cada dia de atraso, e ainda não faço a menor idéia de como resolver esta questão.

Sempre disse por aqui que sabia que as coisas dariam certo, mesmo sem fazer idéia do meio com que isso ocorreria, mas agora a coisa mudou um pouco de figura. Tenho medo, muito medo, e me sinto extremamente inseguro. Preciso de uma idéia genial para poder pagar a minha conta do albergue onde me hospedo, aprender a suportar diariamente a dor no joelho que agora vai me acompanhar por toda a viagem, e ainda por cima aprender a ter paciência para não agir por impulso e colocar tudo a perder. Todos me dizem que este é o momento de ter calma e esperar, mas este nunca foi o meu estilo. Nunca fui um grande atleta, tampouco nasci com dom para qualquer coisa, mas com força de vontade e dedicação aprendi a superar essa desvantagem inicial. Se perco estas duas coisas, preciso encontrar uma nova habilidade em mim. Não, não encontro nada, mas preciso criar uma nova oportunidade para que a nova solução genial venha à galope.

Me olho no espelho e não vejo mais o aventureiro de antes, tampouco o brilho nos olhos que me fazia crer que tudo estava ao meu alcance. Já perdi dinheiro, saúde, meu pai e muito mais, mas sem a auto confiança de que passaria por tudo isso fica mais difícil de passar pelos novos obstáculos. Acho que sair de La Paz vai ser o meu maior desafio desde que iniciei a aventura, pois desta vez luto simultaneamente contra a justiça boliviana, meus joelhos e minha mente, isso sem ter a segurança de que estou preparado para tudo isso.

Me recordo que em minha infância morria de medo das trovoadas, até que finalmente me dei conta de que o prazer de tomar banho de chuva era capaz de me fazer superar o medo. Penso que meu prazer em viver a vida intensamente possa me fazer sair de peito aberto durante as novas trovoadas, das quais eu tanto temia. Cada vez mais recebo e-mails que me dizem o quanto sou incapaz de seguir até o final da jornada, mas ainda tenho a vantagem de saber que somente pessoas óbvias se compadecem com previsões óbvias. Posso ser o que for, mas ainda sei que posso contrariar as expectativas comuns.