segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

A morte de meu pai, meu herói.


Hoje escrevo em pleno dia mais difícil da viagem, em pleno dia mais difícil da minha vida. Meu pai, que sempre foi meu melhor amigo e meu grande herói, acaba de falecer…


Tenho comigo a foto do último momento em que o vi, enquanto já com toda a equipagem passei antes em seu trabalho e disse “pai, tô indo…”. Nunca tinha visto meu pai chorar, mas dessa vez ele não conseguiu prender. Me olhou com aquele olhos tristes e simples de sempre, mas evitou dizer qualquer palavra. Apenas me abraçou longamente, dizendo finalmente que sentiria minha falta. Meu pai não queria que eu viajasse, mas segui mesmo assim, e sinto que a culpa vem me cobrar um alto preço por minha ousadia. O que passa é que o preço de realizar um sonho está alto demais pra mim, e não sei se desta vez consigo pagar por ele. Não tenho mais força, não mais, acho que desta vez fui pego de jeito.


Sei que celebrei ao máximo meu pai enquanto ele estava vivo. Talvez ninguém mais do que eu tenha dito o quanto o amava, ou tenha estado mais ao lado dele nas piores e melhores horas. No vídeo que fiz para ele no natal, disse tudo o que queria dizer mas esperava um momento especial, porém felizmente percebi em tempo que qualquer momento pode ser especial, e que a vida pode ser curta demais pra se deixar algo pra depois. Disse tudo aquilo porque que o tal momento especial poderia nem chegar antes da minha morte, não da ele.


Até no momento da morte vi o quanto eu era igual ao meu pai...Ele resolveu fugir do hospital pra ver os amigos, e pensei estupefato em quem seria idiota o suficiente pra fazer isso. Pois é, eu... Exatamente por saber que meu pai era tão igual a mim, com ninguém mais no mundo queria compartilhar tudo o que vi, vivi e senti, pois ninguém melhor do que ele saberia o que uma viagem significa pra mim. Agora não há mas pai, e junto com ele morreu aquela vontade de voltar e dizer “você tinha que ter visto isso, meu velho!”.


Acho que nunca senti uma dor tão forte em toda a minha vida. Puxa, cheguei em La Paz e perdi todo o dinheiro, mas já recuperei, depois perdi minha saúde e quase morri, mas estava me recuperando. Mas agora, perder meu pai é um golpe demasiado forte pra mim, justo no meu momento mais fraco. Tive nestes meses as decisões mais importantes da minha vida, e as tomei sem pestanejar. Primeiro deixo um emprego milionário em Nova Yorque, pensando que meu sonho era mais importante do que isso, e fiz o mesmo pensando que meu sonho era mais importante do que um grande amor que encontrei. Mas agora não dá pra pensar que meu sonho é mais importante do que meu pai...Meu pai é uma das coisas mais importantes da minha vida, e poderia largar tudo pra poder dar um longo abraço no meu velho de novo... Nesta viagem perdi meu dinheiro, depois minha saúde, agora um dos meus laços mais fortes, por isso não sei por onde mais posso ser atingido.


Recebo diariamente montões de mensagens de gente que tem o Roda América como um exemplo a seguir, mas sinto informar que dessa vez todos terão que arranjar outro messias. Sempre disse que sou um cara normal, então tenho o consolo de saber que não os decepciono pelo fato de ter avisado antes. Hoje não dá pra ser valente, não dá pra ser herói. Hoje não dá pra ser nada. Tento tirar forças não sei mais de onde, porém não se trata mais de poder seguir viagem, pois apenas quero o minímo de condição emocional para poder sair da cama pra comer algo ou caminhar. Nos piores momentos de minha vida sempre soube o que fazer, mas dessa vez me encontro completamente perdido e sem a menor idéia de absolutamente nada.


Puxa, um dos grandes motivos de seguir em frente foi pra dar orgulho a pessoas como meu pai, e sempre trabalhei muito pra ser um filho digno da educação e do carinho que recebi. Mas agora...de que me serve o orgulho quando não há mais um abraço? De que me serve um sonho quando se vai uma pessoa que amo? Minha cabeça por hora está demasiadamente confusa, mas tenho a ligeira impressão de as coisas não têm valido a pena o suficiente. Trocaria tudo o que vivi e conquistei por alguns segundos mais com o meu velho.


Claro que conservo o mínimo de racionalidade pra ter a noção de que não estou em condições de tomar decisão alguma, mas há a possibilidade de que o Roda América termine por aqui. Sim, acho que até mesmo os sonhos têm limites...

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Hepatite, Salmonela e outras bobagens.


Antes dou a notícia de que finalmente encontraram um substituto pra mim no trabalho em La Paz, o que me faria pedalar já no dia 11 rumo ao Peru. Pois é, quando eu já contava os dias pra meter o pé na estrada, eis que ganho a companhia de 3 amigos ilustres, respeitados e inesperados: Hepatite A, Salmonela e infecção urinária.

As três coisas vieram provenientes da alimentação boliviana, que ja disse por aqui que não é exatamente um padrão internacional de higiene. Depois da primeira vez com Salmonela, aprendi a não comer mais na rua e etc, mas mesmo assim continua sendo uma questão de sorte não ficar doente. Imaginem o seguinte: Como quase não existem supermercados por aqui, e quando existem são caros, todos os restaurantes compram carnes, verduras e afins dos chamados mercados populares, então até mesmo um restaurante de luxo já fica com a qualidade de sua comida meio duvidosa. Nestes mercados populares as carnes não ficam no gelo, geladeira ou qualquer coisa parecida, e cortam as carnes com a mesma mão sem luva com que te dão o troco, isso quando não fumam enquanto cortam a carne e etc. Sem contar o chão cheio de lama, o ambiente que fede a urina e o pessoal que espirra em cima da comida e depois te dá. Agora, com essas noções tremendas de higiene, não dá pra pensar que um filho da puta desses vai lavar a mão depois de ir ao banheiro (tirem as crianças da sala, hoje tô puto. Rs).

Pois é, comi uma bomba. O negócio é que como a Salmonela é rencidente ela corria o risco de ser crônica, e também que com ela e mais a infecção urinária eu teria que tomar antibióticos pesados, mas comprometeriam o fígado ferrado pela hepatite. Não me sinto tão mal assim, mas os médicos cismam de dizer que eu preciso de muitos cuidados, sendo que um deles até perguntou se não poderia voltar ao Brasil pra me tratar, ouvindo de minha boca apenas um “muchas gracias por la preocupación” enquanto eu, novo pavio curto do pedaço, me segurava pra não mandar o sujeito tomar bem no meio do rabo gordo dele ou ter um sistema de saúde decente pra me tratar. Tá, tô desbocado e irritado, mas ninguém pode dizer que não avisei...rs

O fato é que amanhã vou ser internado, mas sei que nem tudo está perdido, pois afinal me emprestaram um game boy enquanto isso (com Mario Kart e tudo). Tá, falando sério agora. Avisaram que o tratamento não vai ser nada que vá trazer sequelas ou com procedimentos de risco, coisa muito tranquila, então o pessoal pode ficar despreocupado, de verdade, MESMO. A parte boa disso tudo é que os doutores ficaram impressionados com a capacidade de recuperação do meu corpo, pois há 5 dias atrás eu tinha 3 tipos de Salmonela (de 4 possíveis), e com isso em breve quem sabe teria que operar, mas o meu corpo expulsou 3 e está prestes a expulsar a quarta em um período de tempo nunca antes visto pelo pessoal, e por isso apenas a Hepatite preocupa os caras agora, fora que não há mais riscos de operação nem nada drástico. Confio no meu corpo. Meu problema agora é mais psicológico do que físico.

Tenho recomendação médica de ficar 1 mês sem atividade fisica alguma, justo quando estava com o melhor condicionamento que havia alcançado desde o início da aventura, fora o fato de que vou perder alguns preciosos quilinhos. Com isso tudo vou ter que voltar a pedalar perdendo tudo o que eu conquistei nestes 3 meses de treinamento intenso em La Paz... Puxa, cheguei aqui e perdi toda a grana, comecei tudo do zero e trabalhei duro pra juntar a grana de novo. Quando recupero a grana, começo tudo de novo de novo na parte física! No momento não sou lá um exemplo de força e perseverança pra começar tudo de novo, de novo, porém estou mais do que convencido de que não dá pra ser forte sempre, por isso já sei que isso é apenas temporário. Estou cansado de me recuperar e perder tudo...realmente cansado. Um padre italiano que conheci no Mato Grosso do Sul dizia que não é bom ficar doente longe da mãe, e quem sabe seja somente isso...rs

Tinha muitos planos para a próxima semana, já imaginando o cheiro das montanhas, o vento a correr na face e os olhares puros dos povos no meio do nada, já com meu coração saltitante e os olhos acesos como os de uma criança. Enfim, meus olhos no momento se encontram apenas amarelados devido a Hepatite, mas creio que em breve voltarão com a vivacidade dos aventureiros, com o coração saltitante dos sonhadores que realizam um sonho. Enfim, a boa notícia é que provavelmente conseguirei o que muitos queriam e poucos concluíram: Zerar o modo carreira do Mario Kart.